Palhaços num circo sem graça

Duas colunas dignas de nota na Folha de hoje. A primeira de novo, de Tostão, que observa que os entusiastas do Campeonato Brasileiro se esquecem que uma liga emocionante não tem nada a ver com uma liga boa. “A Liga Cambojana pode ser equilibrada”, disse Tostão. A segunda, de Juan Pablo Varsky, atesta a falência absoluta do Campeonato Argentino, falido já em sua concepção patética dos dois campeões por ano. Uma escolha determinada pelo mesmo tipo de imbecilidade canalha que estimula o retorno do mata-mata. Os torcedores são a plateia e os palhaços forçados num circo sem graça.

Primeiro, sobre o ponto de Tostão. O Brasileiro atual, como já pontuei uma vez, é ridículo tecnicamente. É extremamente cansativo ter de debater sobre a qualidade de um futebol feito de refugos de primeiro mundo, jovens imberbes que têm certeza de que seu talento fará deles craques e uma legião de incompetência, má-fé e amadorismo que se misturam em quantidades diversas para fazer o torcedor crer que ele está comprando um bom campeonato. No seu fanatismo irracional (que é marca do torcedor de futebol), o torcedor do time líder ou quase-líder se esforça (e às vezes é até idiota o suficiente para brigar fisicamente por isso) para provar que seu time é “bom”, quando, na verdade, é um conceito relativíssimo. O melhor jogador da Somália de todos os tempos provavelmente não conseguiria jogar na segunda divisão de Portugal. Nesse panorama, torcedores, jornalistas e “jornalistas” discutem se Chicão é melhor que Durval e se Jumar faz falta ao Palmeiras. É um eterno jogo de faz de conta em uma liga que piorou sensivelmente nos últimos anos, refém de Ricardo Teixeira e sua Copa do Mundo, que corrompeu políticos, dirigentes, jogadores, personalidades e jornalistas . Os desonestos e alguns honestos (porque a corrupção não é só a fiduciária, a material).

O segundo ponto é igualmente triste. A Argentina consegue ter um futebol pior do que o Brasileiro. Sua fórmula, provavelmente agradaria o desagradável diretor de marketing do Corinthians, que, em sua competência eficiente e nociva, segue tentando tirar o foco do fato do clube de maior potencial financeiro do país não conseguir montar um bom time há anos. Ele certamente gostaria de pensar num campeonato que só colocasse os times de maior torcida nas finais, porque é conveniente –  para ele. Arquitetou a construção de um estádio desgraçadamente vergonhoso em seu financiamento seguindo a mesma lógica, uma lógica oligárquica que privilegia quem tem mais poder, mesmo que isso comprometa o futuro de todos. O futebol argentino descobriu isso e levará décadas para se recuperar – se é que vai se recuperar um dia. Infelizmente, esse é novamente um comportamento até admirado no Brasil – o de se levar vantagem. Mas ele tem um preço que um dia será pago. Por hora, só destroi o futebol. E não é pouco.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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