Amy, transgressão, festa da maconha e a lógica de um raciocínio caótico

Não, não é um post sobre futebol (há algum tempo eu disse que ia escrever sobre whatever de vez em quando). É que nesta sexta, fiquei elocubrando sobre a polêmica em relação à Festa da Maconha, um evento tão moderno quanto o Grateful Dead e tão transgressor e inconformado quanto o PT do presidente Lula (bem, talvez ele não seja mais presidente, mas o partido certamente é dele). Me coloquei a pensar que de fato, a liberação da maconha talvez seja a única saída viável. Além de toda a questão social ligada ao fomento da criminalidade, repressão e afins, se liberada, talvez a maconha perca essa aura de transgressão e rebeldia que a acompanha e faça a fúria pós-adolescente se dar conta de quão conservadora ela é. Os rebeldes da Festa da Maconha são os Kassabs, Genoínos e Aécios de amanhã.

Querer provar que o mundo está errado é uma característica salutar de quem se prepara para o mundo adulto. Lembro de uma frase da Fernanda Abreu que dizia que todo mundo é comunista na faculdade. Como dizia um grandíssimo amigo, um dos filósofos que encontrei na vida, Carlos Lopes (ou para quem gosta de metal, o lendário Carlos Vândalo da banda carioca Dorsal Atlântica): discutir a liberação das drogas é fundamental, só que não dá para debater com quem tem 18 anos.

O problema aí é que o jovem, também por natureza, acha que ninguém na história do mundo, foi tão inteligente e visionário quanto ele (especialmente quando está chapado). Por isso, ele, claro, do alto dos seus 18 anos, TEM de ser parte do debate. É exatamente a mesma coisa à qual James Sullivan, do New Model Army se referiu em Purity, We’ve seen the restless children at the head of the columns
Come to purify the future with the arrogance of youth.

Talvez fosse hora de nos darmos conta que a transgressão e contestação não estão mais no consumo de drogas como uma bandeira (e aqui, também me refiro à bebida e à cultura do macho-que-bebe-muito-e-por-isso-é-macho). Tem um cheiro embolorado de anos 60. Para a enésima frase da minha geração, é um museu cheio de novidades. Transgredir e contestar, hoje em dia, seria ter uma opinião própria, e mantê-la mesmo sob pressão.

Aí é que reside minha bronca contra esse discursinho insípido da liberação das drogas. Ele é interessante porque é muito mais fácil ficar chapado e posar de contestador do que se aferrar a meia dúzia de princípios pelo resto da vida. Saindo da faculdade, os “manifestantes” da PUC vão trabalhar nas empresas dos papais e esquecer tudo o que diziam ser certo quando estavam na faculdade. A única herança que levarão de seus dias de contestação será fumar um baseado de vez em quando e ficar com cara de pastel. Mas na hora de pagar melhor uma empregada, tratar melhor os comandados e exigir que o governo seja menos corrupto, aí não. Aí dá muito trabalho.

Nesse contexto de uso ou não uso de drogas, acabei pensando em uma usuária de drogas contumaz que se imolou porque era realmente diferente e não porque queria bancar a contestadora. Amy Winehouse se destruiu nas drogas, mas, ao contrário da maioria das malas que fica se arrastando como um pano de chão e achando que cabelo ensebado é sinal de genialidade, Amy tinha em si algo de Roy Batty, de Blade Runner, “a luz que brilha mais intensamente é a que se apaga primeiro”. Certamente uma legião de boçais se droga e se maravilha com os próprios delírios achando que é a reencarnação de Jim Morrison, quando na verdade, são só mais alguns idiotas enchendo o mundo de música ruim e poesia tosca. Não sei dizer quanto Amy devia do seu talento às drogas, mas é uma pena que não tenha conseguido gerenciar os demônios que esses delírios liberaram

Amy deu também a licença poética para esse post ser num blog que, majoritariamente, fala de futebol. Em Fuck Me Pumps, ela fala exatamente sobre o tipo de mulher que anda com jogadores de futebol. Fala da Maria Chuteira e outros espécimes fúteis da fauna notívaga. Ela sabia do que falava. Ao contrário dos imberbes sabichões que protestavam pelo “direito” de fazer a Festa da Maconha. Ou melhor: provavelmente ela não sabia, mas tudo bem. O artista nem sempre sabe.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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