Vilas Boas e um Porto fora do comum

Há figuras no futebol que se firmam com um golpe de cena ou um apadrinhamento forte e vão ficando. Exemplos aqui no Brasil condizentes com isso são os ex-assistentes de Luxemburgo Osvaldo de Oliveira e PC Gusmão. Há também os ex-ídolos que assumem vagas na esteira de um passado em campo e são absolutamente incompetentes (não serei injusto de citar apenas 200, e por isso, deixo para sua imaginação). Normalmente, um grande técnico não produz assistentes brilhantes (porque é difícil combinar genialidades num mesmo lugar), exceção feita aos realmente foras-de-série como Arrigo Sacchi e Brian Clough. E aparentemente, José Mourinho. Andre Vilas Boas, sua cria, agora no comando do Porto, faz uma temporada estupenda.

Entrevistei o ex-assessor de José Mourinho em 2006, Baltemar de Brito, e ele me falou do modo obsessivo e sistemático com o qual Vilas Boas se dedicava ao trabalho. Depois de uma passagem tão meteórica quanto bem-sucedida como técnico na Acadêmica (sua passagem pelas Ilhas Virgens Britânicas serve somente como curiosidade), Vilas Boas montou um Porto que, se estivesse na Liga dos Campeões, poderia ter causado dores de cabeça sérias para quem o pegasse. Basta ver o retrospecto dele no ano: 46 vitórias em 56 jogos, nenhuma derrota na Liga e um ativo de incríveis 126 gols contra 36 sofridos (somente 11 na Liga sagres). Por mais que se tente desmerecer o nível de fato questionável da liga lusa, os números são impressionantes.

Vilas Boas é um estudioso de futebol desde cedo. Não segue o padrão de “entendidos” que caçam no YouTube ou na Internet alguma informação curiosa para proclamarem aos quatro cantos. Seu conhecimento sobre tática é consistente e sua base de estudos com Mourinho fez dele um técnico formado solidamente (ao contrário de Dungas, Leonardos, Ferraras e afins). O jogo do Porto hoje é prova disso.

Vilas Boas fez de Hulk, um jogador que prefere vir da faixa externa do campo, um artilheiro nato. E nem Falcão nem Varela, os outros dosi atacantes do quase imutável tridente ofensivo de Vilas Boas, são centroavantes de área, puros. Os três jogadores têm de se dividir em retornos ao meio-campo, normalmente usando maioridade numérica e pressão por zona para se defender (uma conseqüência possível disso é que o Porto está entre os 10 times com menos faltas e cartões na liga). Além de ajudar na marcação, os atacantes têm grande participação na armação de jogadas. O brasileiro Hulk é, além de artilheiro (22 gols) o maior assistente do torneio (13).

Um outro feito de Vilas Boas foi o de montar uma defesa impenetrável (só 11 gols sofridos na Liga) usando um 4-3-3, onde os laterais tendem a ficar menos protegidos e ainda assim precisando avançar para ocupar o meio-campo e dar espaço aos atacantes. O português Rolando é o grande protagonista do setor, com boa participação do ex-cruzeirense Maicon. Fernando, Belluschi e João Moutinho (renascido após sua saída do Sporting) formam um meio-campo sem um jogador mais vistoso, mas extremamente consistente.

Vilas Boas é a melhor opção de contratação de técnico para quem quer começar um trabalho na próxima temporada em um time grande da Europa. Seu cartão de entrada é excelente. Ele é jovem, conhece tática e jogadores, tem métodos de trabalho modernos e aparentemente sabe manter um time focado. Liverpool, Internazionale, Manchester City, Roma, Chelsea, todos eles são destinação possível para Vilas Boas, que, além de tudo, é modesto (disse que não está preparado para o futebol inglês).

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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