Fim da linha e reformulação à vista – se for tudo bem…

Esvaída a possibilidade de se manter campeã europeia, a Inter de Milão começou a ter um choque de realidade que já tínhamos sugerido aqui: o de uma reformulação. A entressafra que o time pode enfrentar nesta temporada faz a Inter considerar de fato a negociação de dois ou três medalhões e alguns encostos. A reforma acontecerá de qualquer jeito. Dependendo de como a Inter encerrar o campeonato, o número de saídas será maior ou menor.

As joias da coroa interista
Valiosos itens de mercado...Sneijder, Maicon e Eto'o

Repetindo o que eu disse há alguns meses, a ideia de uma reformulação agora é bastante positiva para a Inter. Mesmo se perder jogadores importantes, a Inter pode fortalecer seu caixa, diminuir a folha de pagamento (porque o clube terá de se adequar à lei de fair play financeiro mais cedo ou mais tarde) e investir em jovens com grande potencial de crescimento sem cometer o erro milanista de manter jogadores com base em serviços prestados. Um grupo que perde alguns de seus líderes no elenco é o ideal para a chegada de um novo treinador porque não há focos de resistência. Essa tendência “gerencial” está ganhando corpo na direção da Inter e a resistência paternalista de Moratti já não é mais tão irredutível.

Começando pelos nomes valiosos: Maicon, Sneijder e Júlio César têm mercado e podem levantar um caminhão de dinheiro. Júlio e Sneijder são interesses do Manchester United; Maicon é objetivo claro do Real Madrid desde o ano passado. Estima-se que a Inter poderia receber cerca de €80 milhões pelos três (cerca de 30% a menos do que receberia pelos três em julho, mas ainda uma grana espetacular).  E muito conveniente para adequar o novo elenco às necessidades de um novo treinador, ou mesmo de Leonardo, caso ele seja campeão (sim, sua situação sem o título italiano seria insustentável). Além dos três, Samuel Eto’o poderia render um ótimo dinheiro (cerca de €25 milhões). Eto’o e Inter se dão bem, mas após um assalto, a esposa do camaronês não quer mais viver em Milão (fato) e a imprensa cogita uma ida sua para a Inglaterra (especulação). Nos casos dos três primeiros, há negociações e sondagens em curso e segundo a imprensa italiana, Massimo Moratti estaria sim considerando vendê-los para poder capitalizar-se para a próxima campanha de contratações. Estes jogadores não estão à venda, mas não são mais inegociáveis e como todos já deram mais ou menos sinais de que gostariam de trocar de ares, as sorte está lançada.

Na categoria “com mercado, mas sem preço alto” encontrariam-se nomes de qualidade, mas já sem idade para alcançar preços altíssimos: o argentino Milito e o sérvio Stankovic. Nenhum dos dois seria rifado do time. Além de jogadores de boa qualidade, têm ótimo ambiente e apreço da torcida. O fator que tornaria suas negociações mais atraentes é que ambos têm salários altos e não estão ficando mais jovens (32 e 33 anos ao fim desta temporada). O mesmo se aplica a Lúcio e Cambiasso, embora com menos probabilidade, porque suas posições permitem um menor esforço físico e porque atrairiam menor valor numa transação.

Além do quarteto de diamantes do elenco interista (Júlio César, Sneijder, Maicon e Eto’o), há estrelas que são igualmente bem vistas, mas que não seriam negociadas por nenhum valor próximo de sua realidade de mercado. São eles Pazzini (€18 milhões), Ranocchia (€15 milhões), Pandev (€12milhões), Coutinho (€7 milhões), Kharja (€4 milhões), Nagatomo (€4milhões) e Thiago Motta (€12 milhões). Eles são jovens, talentosos e úteis, mas não levantariam os megavalores dos quatro medalhões numa venda e por isso, a curva de demanda não encontraria a de oferta. São nomes certos no ano que vem (talvez Philippe Coutinho possa ser emprestado para jogar mais) e ideais para uma reformulação com qualquer técnico que tome o lugar de Leonardo (ou mesmo com o brasileiro). Como é difícil que a Inter se desfaça de suas quatro joias da coroa, é bastante lícito imaginar que no mínimo dois deles façam parte desse grupo, o que faria bem promissora a temporada que vem.

A lista de saída provável inclui aqueles que não têm mais estofo para jogar na Inter ou que não conseguiram demonstrar seu valor. Materazzi, Córdoba, Suazo receberiam sinal verde para sair em qualquer oportunidade. Materazzi não tem mercado em absolutamente nenhum lugar pelo salário que recebe e o mais provável é que a Inter tenha de arcar com seus vencimentos por mais um ano (seu contrato vence em 2012). Córdoba e Suazo têm futebol para ajudar clubes de menor porte por pelo menos mais uma temporada. Há outro “Velhinho” que dificilmente seria vendido pela folha de serviços prestados – Javier Zanetti. Seguindo o exemplo de Paolo Maldini no Milan, ele deve ser empalhado na sala de troféus.

A chave para o futuro da Inter a médio prazo é a escolha de seu futuro treinador. Para as coisas começarem bem, é preciso que seja um técnico novo, sem passado na Inter (nem no Milan ou na Juventus), que tenha uma visão de futebol mais parecida com a europeia do que com a italiana e que prefira trabalhar com duas ou três estrelas e algumas promessas (além do elenco muito bom já existente). Nesse perfil, vejo André Vilas Boas (Porto), Jurgen Klöpp (Dortmund), Luciano Spaletti (Zenit) e talvez mais um ou dois. Há a chance de um retorno de Mourinho, claro, mas como diz um ditado italiano, retornos dificilmente funcionam. O “scudetto” confirma Leonardo, mas cria um cenário espinhoso para a reformulação e levará a uma próxima temporada traumática. Um mau fim de temporada diminuiria o valor de seus medalhões e faria a reformulação parecer menos interessante financeiramente. Este fim de campeonato traz decisões de longo prazo para a Inter e suas decisões terão reflefo no futebol italiano como um todo, que precisa de uma reformulação como um todo. Cabe à Inter, como time de maior sucesso nos últimos cinco anos, puxar a fila. A pergunta é: ela tem firmeza para isso?

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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