Depois do desastre de San Siro

Após a tragédia, as vozes do apocalipse costumam se levantar. É verdade que nem mesmo o milanista mais fervoroso poderia sonhar com uma Inter sofrendo cinco gols em San Siro, mas todos os indícios de uma fragilidade interista vêm de longe – ainda que os neocríticos tenham deixado de notá-los.

Inter 2 x 5 Schalke. O resultado é desastroso e remete a uma outra eliminação traumática de um time milanês na LC. Embora tenha sido menos suntuoso, o 2 a 1 sofrido pelo Milan de Oscar Tabárez para o Rosenborg dentro de Milão deixou marcas fundas no time, que deixaria tristes memórias em Milão, com nomes como Reiziger, Daino, Blomqvist e Dugarry (isso, aquele mesmo).

O vexame de terça não será esquecido e praticamente fere de morte a continuidade de Leonardo na Inter. Claro, uma conquista do título nacional ainda manteria o brasileiro no cargo, mas doutra feita, mesmo com todas as declarações de amor de Moratti por Leonardo, teriam a saída do ex-milanista da Pinetina – especialmente se a temporada do Real acabar como tudo indica (com um retumbante fracasso, que só a conquista da LC poderia reverter).

A Inter de Leonardo pode ter tido um excelente começo, mas sua defesa é notoriamente ruim. Além dos oito gols nas últimas 96 horas, tinha sofrido dois do Bayern, um do Brescia, outro da Fiorentina, dois do Genoa, três da Roma e mais cinco divididos entre Palermo e Udinese nas últimas quinze rodadas. O ataque fortíssimo de Eto’o, Pazzini, Sneijder e Pandev maquiou um time cuja marcação é equivocada em seus fundamentos e que, como já disse antes, confunde ofensividade com atacantes a mais.

Certamente os jogadores interistas têm sua parcela de responsabilidade nas derrotas, mas a fragilidade defensiva crônica é culpa de Leonardo. Sua insistência em credos malformados (como disse Zdenek Zeman citando Leonardo e Ciro Ferrara, um treinador que não passa por divisões de base não sabe porque faz esse ou aquele ajuste tático) transformou a Inter numa dependente radical da glória de grandes jogadores de frente. Até Júlio César, uma parede na gestão Mourinho, comprovou mais uma vez que normalmente, o melhor goleiro do mundo ganha esse reconhecimento quando joga atrás da melhor defesa do mundo (porque está serve como guia e salvaguarda psicológica). Hoje, num time sem equilíbrio, Júlio é um goleiro comum que está até engolindo uns frangos com alguma freqüência.

A eliminação na LC é quase certa (quase, porque milagres acontecem no futebol), mas ainda vai consumir pelo menos mais duas semanas de tensão na cabeça interista, que dependendo de como forem em termos de resultado, podem selar a sorte nerazzurra no campeonato (e por conseqüência, também a de Leonardo). O caminho a ser trilhado pela (ainda) campeã europeia é manter a peteca no ar na Série A e tentar um milagre bíblico em Gelsenkirchen. Para uma crise que começou com um Leonardo apóstolo, o único desfecho feliz possível é com um Leonardo Messias conduzindo os fiéis nerazzurri rumo à Terra Prometida de Wembley.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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