A visão do desastre interista na visão de seu arquiteto

Trecho interessante e auto-explicativo de entrevista de Ralf Rangnick, treinador do Schalke 04, após a vitória devastadora dos alemães sobre a Inter na LC.

“Assisti pessoalmente o derby de Milão em San Siro. Me dei conta de que a Inter não pressionava no meio-campo, deixando espaços amplos. Seus defensores marcavam a distância, e ficavam vulneráveis a adversários rápidos como Pato e sofria quando o adversário tomava a iniciativa, algo que o Milan fez o jogo todo. Pedi a meus jogadores que fizessem a mesma coisa, atacando a todo minuto para recuperar a bola e subir a marcação para a intermediária da Inter, ficando o mais próximo possível do gol da Inter”.

Rangnick de fato conhece futebol e sua descrição é uma síntese ótima do que a Inter faz e fez. Antes do jogo, não foram poucos os analistas (no Brasil e na Itália) que viam no trabalho de Leonardo uma complexa e substancial bagagem tática e filosófica, desmontando o esquema em análises elaboradas e que viam na sua trajetória a anatomia de um técnico de visão aguçada. A leitura de Rangnick é simples e precisa e desmonta qualquer defesa de Leonardo como técnico no seu trabalho de dois meses.

Leonardo teve um excelente começo de passagem na Inter basicamente repetindo o que 90% das substituições de técnicos fazem: pegam um grupo que já queria ver o técnico demitido pelas costas e que decidem se aplicar para provar que o culpado era ele (mesmo que não admitam isso). A abordagem “ofensivista” da maioria desse tipo de treinador começa, normalmente, em estimular marcadores a participar mais do jogo, o que num primeiro momento, cria a sensação de um time mais ofensivo (os corintianos hão de fazer um paralelo com a substituição de Parreira por Geninho em 2003, quando o sucessor foi decantado em sua chegada por “melhorar” o time, para depois apresentar os resultados que todo mundo conhece). Num segundo momento, desgaste físico e desnaturação das funções táticas em campo fazem o resto.

Leonardo não era o gênio decantado pelos “analistas”, capaz de arquitetar um renascimento interista capaz de repetir a tríplice coroa de Mourinho e também não é o zebu valdirespinózico que exala um conteúdo que está a milhas de ter. A Inter ainda tem chances sim de lutar pelo título porque tem um elenco superior ao dos adversários, ainda que na LC só se salve por um milagre similar à conquista do Liverpool na final de 2005. Mesmo em condições, a tarefa da Inter tornou-se muito mais difícil que parecia na semana passada.

O brasileiro é o que se imaginaria dele: um técnico inexperiente que, apesar de inteligente como pessoa, não tem bagagem nem conteúdo para se bater com os melhores do mundo. Leonardo (assim como Dunga, Ferrara, Paul Ince, e mais dezenas de outros) tentou emular o efeito Guardiola, do ex-jogador que herda a consideração do campo para se tornar um grande técnico. Só que para cada Guardiola, há outros trezentos Ciros Ferraras.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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