Ronaldo, cracaço incompleto

Depois da semana emotiva para a maioria dos fãs de futebol, faço minha confissão. Sempre achei Ronaldo um craque. Achei que ele se recuperaria depois das duas lesões (ao contrário do que muitos dos meus colegas que o deram como acabado depois das mesmas). Contudo, não acho que Ronaldo foi o jogador que foi decantado nos últimos dias. Ronaldo venceu dois campeonatos nacionais. Infinitamente pouco para um jogador de seu talento. Venceu duas copas do mundo – jogando somente uma, a de 2002, na qual foi decisivo. Para mim, ele encerrou a carreira mais tarde do que deveria. Foi menos do que poderia ter sido.

A lista de conquistas individuais de Ronaldo é muito maior do que a de títulos. Ronaldo sempre foi um fenômeno individualmente, mas seus clubes tiraram muito menos proveito do que se esperaria de um jogador com tamanha capacidade. Ronaldo foi um grande – excepcional – vencedor de jogos, mas um jogador modesto no que diz respeito à conquista de títulos.

Lembremos: exceção feita à Copa de 2002, onde ele marcou seu nome na história do futebol, tanto pelas performances quanto pela extraordinária lição de vida recuperando-se de uma lesão seríssima. Quais os títulos que Ronaldo decidiu em jogos nos quais a responsabilidade estava sobre ele? Os de uma Recopa Europeia, pelo Barcelona e de uma Copa Uefa, pela Internazionale. Para um jogador comum, seria muitíssimo. Para Ronaldo, convenhamos, é pouco.

Ronaldo decidiu partidas memoráveis. Muitas. A maior delas, pelas quartas-de-final da LC de 2003, onde destruiu o Manchester United em Old Trafford  e foi aplaudido de pé pela torcida local. Mas falhou miseravelmente nas mais importantes. A semifinal da Olimpíada de Atlanta; a final de 1998 (onde não podia ter jogado); o famoso “5 de maio” da Inter diante da Lazio; os confrontos da Libertadores pelo Corinthians. Nem sempre foi culpa sua, mas as lendas se fazem em jogos perdidos nos quais um jogador se ergue e desafia a todos sozinho. E vence.

Que fique claro: acho que Ronaldo foi um craque. Um gigante. Mas não foi (como para muitos outros) o maior atacante que eu vi jogar. E venceu pouco em relação ao seu talento. Claro, ele teve lesões, mas mesmo saudável, ele foi mais um brilho individual do que um jogador de futebol.

Nem vou entrar na discussão do envolvimento de Ronaldo com patrocinadores e cartolas. O epitáfio de sua carreira, aliado com Andres Sanchez e se reconciliando com gente da estirpe de Ricardo Teixeira, ao meu ver, diz muito a respeito dos rumos que ele quer dar (e deu ao longo da vida) para suas atitudes como homem e cidadão. Ronaldo foi um craque – sim – um dos maiores atacante brasileiros – sim – mas não respeitou o tamanho de seu talento e de seu personagem. Num momento em que a babação de ovo é institucional, achei preciso pontuar.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.

31 Comments

  1. Bem observado. Foram quatro semifinais em cinco anos. Abs

  2. Sim, Cassiano. Opinião é como diz o ditado… Mas só pra completar, o Milan não foi semifinalista em 2004 e sim quadrifinalista. De qualquer modo, não quero dizer que o papel milanista não foi bom, pois é óbvio que foi. Apenas ratifico que o cenário era dividido com outros times tão ou mais fortes.

    Abraços e até o próximo debate 🙂

  3. Claro, opinião cada um tem uma. Para mim, quatro semifinais em quatro anos quer dizer muito. abs

  4. Cassiano,
    De todo período Moggi, o único título que a Inter realmente mereceu foi o de 1997/98. Acho que nem preciso explicar o porquê. No restante, os Nerezzurri não eram os mais fortes.
    Quanto ao Milan 2003-2007, prefiro dividir os períodos. Até 2005 era um dos melhores, mas, tecnicamente falando, dividia o cenário com o Barça de Ronaldinho, com o Chelsea de Mourinho e com United e Arsenal. Já o de 2007 não. Aquela versão do Rossonero não estava nem entre os cinco times mais fortes da Europa. Ganhou porque Kaká decidiu em momentos chave. O que, logicamente, não reduz a importância da conquista.

  5. Michel, reiterando o que eu disse, nós não estamos falando de um time épico como o do Sacchi. Estou falando do papel de protagonista que o Milan teve nos anos nos quais o esquema do Moggi estava vigente. Argumentar que a Inter não ganhava porque era roubada no período e que o Milan também era favorecido conflita com os resultados do Milan na Europa onde os seus resultados eram também muito favoráveis. A Juventus manipulava os resultados, mas na Itália, ninguém era tolo de ficar parado (a Inter falsificou o passaporte de atletas como o Recoba, a Roma doou relógios de ouro para os juízes na época do Sensi, a Cirio tinha o Franco Carraro no seu Conselho, etc). “Dominação”, no caso, deve ser lido como “ser favorito todo ano” e não “vencer todo ano”. Abs

  6. Tudo o que o Ronaldo gerenciou mal sua carreira esportivamente, ele fez bem na mídia (não em pouco graças à “orientação” da Nike, parceira da CBF). Boa parte da imagem dele como jogador de sucesso vem daí. abs

  7. Michel, se, em quatro anos, fazer quatro semifinais, duas finais e ganhar um título não é dominação, não sei o que é. Entre 2003 e 2007 o Milan teve um recorde europeu que só o Barcelona recente pode fazer frente. O Milan despencou depois disso, mas o quadriênio anterior foi sensacional. Abs

  8. Rafael,
    As derrotas do Milan em 2004 e 2005 podem ser vistas como obra do acaso sim, mas a verdade que aquele time não era tão dominante com havia sido nos tempos de Sacchi e Capello. Era um grande time, mas não era soberano no páreo.

  9. Michel, a eliminação do Milan frente ao Deportivo em 2004 e a derrota para o Liverpool na final de 2005 também foram muito peculiares, não é mesmo?

  10. Eu não gosto de avaliar um jogador pelo número de títulos que conquistou, mas também acho que ele é um pouco supervalorizado.

    Acho que as pessoas tendem a colocar o Ronaldo em um patamar altíssimo pela fantástica recuperação da lesão no joelho e pela lembrança do futebol que jogava nos tempos de Barcelona.

  11. Acho que há um discrepância histórica aqui. O Milan que verdadeiramente dominou a Europa acabou em 94. Os títulos de 2003 e 2007 tiveram um caráter bastante peculiar e isolado. Para mim, em 2007, o Milan não estava nem entre os cinco melhores da Europa. Só ganhou porque Kaká estava na ponta dos cascos e a UCL, por ser uma competição decidida no mata-mata, está sujeita a ter campeões que não são necessariamente os melhores.
    Enquanto isso, a Juventus que fez a festa até 2006 nasceu após a queda do grande Milan e teve como um de seus marcos simbólicos o 6 a 1 sobre o Rossonero em 1997. Nesse período, a Vecchia Signora emendou 3 finais de UCL e 5 scudetti (mais 2 cassados). No entanto, embora houvesse um claro esquema interno, o mesmo não pode se afirmar do ambiente externo, onde a Juve se apresentou bem graças a sua própria força. Mas, que fique claro, nos dois períodos era a Inter quem estava comendo o pão que o diabo amassou.

    Abraços.

  12. Michel, concordo que a Juventus tinha um esquema comprovado. Mas o Milan também dominava na Europa né? (até 2007, pelo menos). E a Inter fracassava sempre com flops absolutamente próprios. Em 2006, a Inter mudou a política de contratações, verdade, mas isso esteve mais ligado ao Mancini (e depois ao Mourinho) do que ao Moratti. abs

  13. Na verdade, a Inter começou a tomar rumo antes do Calciopoli, quando trouxe Cambiasso, Stankovic, Júlio César e um ainda sóbrio Adriano. Mas concordo que o escândalo abriu espaço para os Nerazzurri. Até porque, espaço era justamente o que o esquema Moggi não dava (vide 1997/98).

    Abraços.

  14. SENSACIONAL!
    Ainda acrescentaria outro ponto: um jogador que seu brilho individual foi menor que qualquer identificação com os clubes por onde jogou. Ronaldo não é lembrado com carinho pelo Barça, pela Inter (aliás, que sacanagem com este clube), saiu vaiado do Real devido ao peso incontrolável, jogou pouco pelo Milan e pouca história fez por lá. No Brasil, é odiado pela torcida do time que afirmou ser torcedor (Flamengo), e não devemos esquecer que a torcida corinthiana queria a saída dele do seu clube. Quem ama Ronaldo?

    Acho que o Ronaldo é símbolo do futebol moderno: muita imagem e pouca reflexão. Lembro que o Beckham e outros jogadores na copa de 2002 tinham um corte de cabelo diferenciado. Necessitando de imagem, resolveu aparecer com um corte de cabelo diferente. Sempre precisou de image. Pior mesmo é imaginar que a imprensa contribui com essa relação nojenta. O fã de futebol acaba por admirar uma imagem sem um conteúdo forte. Uma pena, pois jogadores como Rivaldo – que foi tão (ou mais) importante quanto o Ronaldo nas campanhas de 98 e 2002 – ou, até mesmo, o Messi, que jogam mais do que aparecem, talvez não serão facilmente lembrados no futuro (tomara que eu esteja errado com relação ao Messi).

    Ainda tentam comparar Ronaldo com Romário. Forçam a barra para colocar o primeiro em um patamar maior do que realmente foi. Será que terão coragem de compará-lo ao Zidane, Messi ou Maradona? Não duvido mais de nada.

  15. Ronaldo trocou um lugar na elite absoluta (aquela de Pelés, Maradonas, Cruyffs – e eu acho, no futuro, Messis) por dinheiro. Muito dinheiro. É um direito dele, mas ele terá de conviver com o fato daqui por diante. Pelo menos, ao meu ver. abs

  16. Romário ganhou mais títulos, era mais talentoso tecnicamente e completo como finalizador. Ronaldo encerrou a cabeça sem saber cabecear. Não gostava de Romário e acho que ele poderia ter sido ainda mais do que foi se não fosse um preguiçoso. Mesmo assim, foi mais jogador que Ronaldo. Números, títulos mostram isso. Abs

  17. ESSE é um fato. Sem a Copa de 86, Maradona teria uma condição menor na história do futebol, mesmo com todo o talento que teve.

  18. Boni, primeiro, não destrate outros leitores assim; segundo, eu tb acho que colocar Ronaldo a um passo de Pelé é sandice. Assim como críticos de música sempre estão ávidos por dizer que aquela banda do momento “são os novos Beatles”, td mundo tende a ver “Novos Pelés” (imagine – até Robinho já foi “novo Pelé”. Sandice. Completa. abs

  19. Então, Bolão e Azeitona… :-). A Inter daquela época é a cara do Moratti – comprar jogadores 6,5 por fortunas. O Recoba ganhava a mesma coisa que o Ronaldo, que,d e fato, era um monstro. Se ele tivesse ido para a Juventus ou Manchester United, teria entupido o r… de títulos. A política de contratar toscos da Inter se encerrou em Calciopoli, quando de fato, grandes jogadores (Ibra, Vieira, Samuel, etc) começaram a ir para lá. Abs

  20. Cassiano,

    Além de Bolão e Azeitona, aquela Inter contava com jogadores como Simeone, Zamorano, Zanetti, Djorkaeff, Bergomi, Pagliuca e outros. Mas o time era incompleto e é isso o que eu quis dizer no meu comentário. Ronaldo foi um monstro, mas para conquistar títulos importantes é preciso um time e não apenas um talento acima da média.

    Abraços.

  21. Ronaldo realmente foi um dos grandes, mas a cobertura de sua aposentadoria dava a entender que era o maior jogador da história da humanidade que forçadamente estava se aposentando, principalmente da Rede Globo, amiga de fé e irmã camarada dele.

    É isso, Ronaldo foi grande, todos sabemos disso, mas sem exageros, senão fica algo feio, forçado.

  22. Fecho contigo! Talento monstruoso, verdadeiramente estratosférico!, que, pelos mais variados motivos, nunca foi explorado até o limite máximo de sua potencialidade.

    Agradeço o que ele fez pelo Milan no período em que ficou lá, mas tenho que dizer que são vários os clubes que venceram a CL nos últimos 18 anos, período em que ele foi profissional, que não contavam com um jogador com metade do potencial do Fenômeno.

    O Borussia de 97, o Liverpool de 05 e, o caso que considero mais gritante, o Porto de 04, por exemplo. Tenho a impressão que sempre faltou nele aquela coisa que sobra até hoje no Maradona: a necessidade patológica do protagonismo. E Dieguito sempre soube que isso precisa estar intimamente ligado ao sucesso (vitórias).

    Mas é apenas um palpite.

  23. Ronaldo foi melhor que Romário porque aceitou e respondeu melhor aos desafios na carreira. Romário poderia ter sido muito mais se aceitasse + desafios na carreira, ele jogou quase toda a carreira em campeonatos fracos como a Eredivisie e o Cariocão. Ronaldo foi bem até jogando alguns meses bichado no Milan..

    Eu não gosto de avaliar jogador pelos títulos porque futebol não é Boxe e nem Tênis. Fosse assim (pela quantidade de titulos) o Cafu é um cracaço!

  24. “as lendas se fazem em jogos perdidos nos quais um jogador se ergue e desafia a todos sozinho. E vence” descrição perfeita de Maradona e sua epopéia inigualável no Napoli e na Copa de 86.

  25. Eric, deixe a preguiça de lado e procure os videos de Pelé, ele era fisicamente/tecnicamente a frente de seu tempo (como Marta é hoje no feminino), Pelé jogou num futebol em “slow-motion” e na Copa de 70 cobrou uma falta no terceiro anel do estádio Asteca, Jairzinho jogou mais que ele nakele evento. Hoje ele não faria mil gols nem no Campeonato Amapaense.

  26. Na Inter, convenhamos, era Ronaldo, Bolão e Azeitona, né? Cauet, West, Moriero, Berti, Domoraud e companhia eram uma tristeza. Abs

  27. Faço parte daqueles que consideram Ronaldo o melhor que viram jogar. Mas concordo que foram poucas conquistas coletivas quando mensuramos seu talento. No entanto, acho que falta algo ao post: contextualização.
    Ronaldo jogou num Cruzeiro que era apenas esforçado. Muito abaixo do time campeão brasileiro em 2003 ou do vice-campeão da Libertadores em 2009.
    No PSV, R9 teve pela frente simplesmente o Ajax que dominou a Europa.
    No Barça, onde viveu sua melhor temporada, marcou um caminhão de gols enquanto via uma defesa débil com Vitor Baia, Fernardo Couto e Nadal entregar a rapa lá atrás.
    Na Inter, como você sabe, não havia nem clima nem time para vencer algo grandioso.
    Em Madri, a primeira temporada foi boa, mas depois disso o time deixou o futebol em segundo plano.
    Por fim, o Milan que o abrigou já em sua forma decadente estava longe de ser páreo para a Inter ou até mesmo para a Roma.

    Abraços.

  28. Cassiano, só uma correção: o jogo do drible do Fernando Redondo em Henning Berg é outro, aconteceu em 2000.

  29. Ronaldo foi um dos maiores de todos os tempos, mas há muito se vendeu, assim como muitos outros, aos interesses comerciais, ao marketing esportivo que finge mais do que faz, se acostumou a viver de imagem, do passado…o pelé depois de 74 também fez o mesmo e vive até hoje da exploração da fama, com todo merito, mas no caminho tambem fez um monte de besteiras. Agora ele deve estar muito preocupado com essa investida do Ronaldo de ocupar o lugar dele no mercado internacional que tradicionalmente é dele. O Pelé não tem o amparo da Nike por trás nem os milhões do gordo. Te cuida Edson Arantes!!!

  30. Finalmente, alguém com lucidez no meio do oba-oba generalizado. Cracaço, sem dúvida, mas botá-lo logo abaixo de Pelé, como parecem querer muitos, não dá…
    Triste fim para uma carreira vitoriosa, de um grande jogador que poderia ter sido ainda maior. abs

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