E quem é Joe Jordan?

A cena de gennaro Gattuso pegando um senhor pelo pescoço enquanto seu time perdia o jogo para o Tottenham por 1 a 0 em Milão correu o mundo. Gattuso foipesadamente criticado (com razão) por uma atitude antidesportiva – e os italianos não ficaram atrás. “Milanimals”, bateu o The Sun; “Gattuso deveria saber com quem estava mexendo”, observou o Guardian; “Mafiosos do Milan fazem com que todos torçamos pelos Spurs”, concluiu o Daily Mail. O pivô inglês do evento foi Joe Jordan, glorificado pelos ingleses como sendo um exemplo da fibra e da coragem do futebolista do país. E se esqueceram de quem ele é.

Jordan foi um atacante na década de 70. O escocês certamente se encaixa no arquétipo de jogadores britânicos da época. Fez a sua fama batendo muito, perdendo dentes em choques e se valendo de uma coragem típica de quem raciocina pouco para ser respeitado. Um legítimo “pub brawler“, ou seja, o frequentador assíduo de pubs que bebe até ficar violento e terminar a noite rolando no chão com alguém na porrada.

Apesar de uma carreira que teve vários clubes grandes (Manchester United e Milan), o período de maior sucesso de Jordan foi no Leeds. Quem já assistiu “The Damned United“, de Tom Hooper, já sabe de que Leeds estou falando – o time campeão inglês em 1974. Possivelmente o Leeds foi o time campeão nacional mais violento de todos os tempos. O apelido do time à época, Dirty Leeds, viria a ser consolidado (não propositalmente, diga-se, pois não quero criar lendas urbanas nem ficar com fama de mentiroso) com uma música do AC/DC dois anos depois, Dirty Deeds Done Dirt Cheap. O time que glorificou Jordan, Billy Bremner (que teve uma altercação com Rivellino na Copa de 1974), Harvey, Lorimer, Giles entre outros, era recebido pelas torcidas adversárias com a música “Leeds as a city is a mighty fine place, but the fans and the team are a fucking disgrace“.

No filme “The Damned United“, o caráter do time de Jordan é mostrado de modo bem didático, Brian Clough foi contratado para substituir Don Revie (que passara a ser treinador da seleção inglesa) e foi trairado sistematicamente por Jordan, Bremner e companheiros até cair menos de três meses depois. Sim, claro, Clough não era uma flor de candura e sua arrogância e confiança não ajudaram. Mas o DNA de Jordan estava desenhado ali, uma ética de boleiro que ainda campeia, a do jogador machão, beberrão, que resolve as coisas na porrada e é admirado por isso.

Jordan foi glorificado novamente depois que Gattuso cometeu a idiotice de tirá-lo de sua tumba de obscuridade. Para se ter uma ideia, nos últimos cinco anos, o único episódio no qual Jordan ganhou as manchetes foi há algumas semanas, quando chamou o treinador de goleiros do Newcastle para a briga durante um jogo. Harry Redknapp, possivelmente o técnico mais suspeito de corrupção na Inglaterra descreveu-o (positivamente) como “o cara mais durão do mundo”; Graeme Souness, outro da safra de caráter duvidoso dos anos 70 na Inglaterra, técnico fracassado em virtualmente todos os clubes que comandou (mas um nome extremamente popular em Liverpool e um dos 10 maiores ídolos do clube), disse que queria ver Gattuso aguentar dez minutos com Jordan numa briga. Não é a apologia a um craque. É uma apologia a um idiota. Quando Peter Crouch, em 2006, fez este gol contra Trinidad e Tobago, o comentarista Alan Hansen, da BBC, deu risada e disse. “These things happen in football”.

Em momentos como esse, ao meu ver, a Inglaterra esclarece por que razão não consegue vencer nada como país no esporte. Os ingleses não sabem perder, mas também não sabem ganhar. Uma vitória como a de Milão faz com que os heróis da noite não sejam jogadores como Aaron Lennon e seu drible humilhante em Yepes, mas um mau-caráter brigão que passou a vida chamando os outros para a briga como Jordan. Gattuso, bicampeão europeu, italiano e campeão mundial não estava sendo superado por um craque como Gerrard ou Rooney, mas sim sendo xingado de “italiano bastardo” por um wasp racista e intolerante que a Inglaterra escondeu embaixo do tapete mas não eliminou. Trata-se de uma má memória que ficou esquecida, como as tragédias de Hillsborough, Bradford e Bruxelas. Mas ela ainda está lá. Joe Jordan tem um DNA esportivo que não deveria ter mais espaço. Infelizmente, apesar de tentarem negar, esse ainda é o verdadeiro caráter do futebol inglês.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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