Numa discussão com um colega em 2006, quando diante da descoberta do esquema do Calciocaos ele me disse que a Juventus deveria ser mais duramente punida, eu retruquei. “Do jeito que está [n. do r: rebaixamento para a segunda divisão], a Juve já levará 10 anos para se reerguer”. Creio, que metade do trajeto já passado, a previsão era acertada. Contudo, errei numa coisa: não era só a Juve a ser punida. O futebol italiano hoje é de segunda.
Digo isso com grande tristeza. Para mim não há liga mais legal que a Italiana no mundo. Não é à toa que escrevo sobre o assunto há 12 anos, desde um momento no qual o ‘Calcio’ ainda era um produto de nicho. Acreditava (e ainda acredito) que não há campeonato tão intenso, disputado e completo quanto o Italiano. Claro, isso quando o “Italiano” é o “Italiano” e não uma Série A de segunda categoria.
Os motivos para a queda são conhecidos de todos: com o escândalo, as finanças do futebol italiano ruíram. Os craques foram embora (hoje só refugos de outras ligas, Ibrahimovic e Robinho inclusos, aportam na Bota), os estádios envelheceram, a idade média aumentou e a quantidade de estrangeiros toscos foi às alturas. O que o escândalo poderia trazer de positivo, a renovação da classe dirigencial, não ocorreu, por uma série de fatores (que vão desde a vitória italiana na Copa de 2006 – que causou um clamor por uma ‘anistia’ em função do sucesso – até a particular relação de poder que existe no país). Ficaram os mesmos dirigentes, corruptos, atrasados, anacrônicos. Quase um retrato da chaga que é a classe que comanda o futebol no Brasil, mas com um agravante: como a Itália movimenta muito mais dinheiro, a manutenção desta classe controladora faz com que as perdas também sejam maiores.
O ponto aqui é: o sucesso da Internazionale na Liga dos Campeões passada é um sucesso assinado José Mourinho. O time da Inter é bom diante dos titãs europeus, mas muito pior do que se pode imaginar um campeão continental. Na Série A, os sucessos em fila da Inter se fizeram sem competição. Competição essa que deve retomar seus patamares no mínimo em três anos. Isso, se todo mundo fizer seu dever da casa – leia-se, recapitalizar os clubes, abrir capital, contratação de profissionais de mercado, investimento em divisões de base, controle de taxas pagos a terceiros (i.e. agentes). Tudo o que a Itália não vai fazer. Pelo apelo e torcida, os três grandes da Itália retomarão seu tamanho de um modo ou outro e isso reavivará o futebol no continente de algum modo. Com o trio de ferro gastando, Atalantas e Catanias se mantém. Contudo, isso levará mais tempo do que o necessário.
Robinho declarou hoje que o Milan pode ganhar as três competições que disputa. Não pode. Se vencer uma delas, pode se dar por feliz. Se vencer o ‘scudetto’, terá sido um feito hercúleo. O mesmo pode ser dito da Juventus e da Roma. Uma vitória italiana não-interista na Liga dos Campeões seria algo para entrar para os anais da história como uma das conquistas mais épicas. Um ‘gap’ técnico, financeiro e administrativo ainda mantém a Itália atada ao seu atraso – não coincidentemente, um retrato da política do país, que mantém um semiditador anacrônico como Berlusconi no poder numa situação em que – incrível – ele é a melhor opção de governo (isso dá pano para manga numa discussão, mas em linhas gerais, Berlusconi faz mais estragos na oposição do que no poder, diante da divisão burra entre as forças democráticas do país). Se você, como eu, gosta do futebol italiano, torça para que um outro furacão varra a atual cartolagem para o Adriático. Ela é uma chaga.
Como eu disse, é cíclico. A Inglaterra caminha lentamente para a decadência por causa de seu endividamento. abs
É uma coisa cíclica. Um dia a Itália volta ao apogeu, mas para isso precisa de uma reforma no Estado e na sociedade. Há gente vetusta e antiquada demais no comando – mesmo assim é meu país / liga favorito. abs
E tem outro problema grave, o número alto de clubes que faliram, clubes como Messina e Perugia que há pouco tempo disputaram a Série A, e o Mantova que chegou a quase conseguir o acesso, fora os de séries inferiores, como a C e D.
Li há pouco tempo que tiveram que fazer um grande esforço, leia-se repescagem de clubes, para fecharem os grupos das séries inferiores pra essa temporada.
É um problema estrutural gravissimo, que como bem dito, pode atingir o Campeonato Inglês nos próximos anos.
sincero e dotado de conhecimento de causa!
Acabei esquecendo de um detalhe que não é insignificante: recebi um link hoje com a notícia que a Inter, na temporada passada, mesmo vencendo a CL e negociando o Ibrahimović por uma montanha de dinheiro, fechou o balanço com “modestos” € 40 milhões de prejuízo.
Desse jeito, fica bem difícil…
Cassiano, concordo em linhas gerais com tua análise. Mas existem alguns pontos que poderiam ser mais amplamente examinados.
A Itália seguramente não possui mais a força que detinha até bem pouco tempo atrás no futebol, isso é fato. Mas nas outras grandes ligas, com a honrosa exceção da alemã, a coisa também está longe de ser rósea.
Na inglesa, por exemplo, o número de clubes com endividamento muito acima do razoável é absurdo. No M. United, por exemplo, para ficar circunscrito ao caso mais grotesco, a proporção dívida/faturamento já está no fator 5. E incrivelmente subindo…
Voltando para a Itália, há também um ponto que merece atenção: os principais times do país não investem pouco na base. O que existe é uma entressafra brutal. Nos pequenos, médios e grandes, já faz um tempo que ninguém realmente de destaque aparece.
Até acredito que essa tendência irá ser revertida em breve, mas creio que ainda vamos esperar pelo menos mais duas temporadas para que os primeiros talentos verdadeiros apareçam.
Quando ao que o Robinho disse, é fato que uma vitória rossonera na CL seria um anúncio tácito de que o final do mundo está próximo. A dupla de gigantes espanhóis, por exemplo, está em outra galáxia em relação ao Milan atual.
Mas na Serie A não acredito que o título seja algo tão complicado assim. Pode, evidentemente, até não acontecer, mas tenho a impressão de que, apesar do Allegri, a equipe luta até o final.
Já há duas rodadas tenho a firme convicção de que esta temporada será decidida na próxima janela de mercado. Quem tiver mais competência entre Milan e Inter – não acredito na Juventus, que tem muita camisa, mas um elenco muito fraco! – para resolver os problemas de elenco leva o caneco.
Dentro de campo, o maior problema do futebol italiano é que dois dos times que formam o trio de ferro não são mais o que eram antes. Hoje só a Inter pode jogar de igual para igual com o atual top 4 inglês (os dois de londres e os dois de manchester) e os gigantes espanhois. Eu acho que o Milan e a Juventus não estão muito longe desse patamar, pelo contrário… Mas, só com boas campanhas continentais é que o futebol italiano voltará a ser respeitado, e não digo de campanhas individuais como a do Milan e a da Inter, mas sim de colocar 3 times italianos nas semi-finais da champions league novamente. Só que eu acho que o maior problema do futebol italiano é fora de campo, violência da torcida (e não digo só física, vide o episódio Eto’o-Cagliari) e estádios sucateados com gramados ruins prejudicam e muito o espetáculo para quem assiste no estádio, pela tv, para quem joga e acabam arranhando a reputação do campeonato. É uma pena a Itália ter perdido a candidatura da eurocopa, faria um bem enorme para eles.
Torcer pra que a qualidade volte a ser a que era de antigamente. Assim como você, sou apaixonado pelo Campeonato Italiano, que divide com o Brasileiro as minhas atenções.
Também gostei do post. Mas estendo o debate um pouco agora. Particularmente, acredito que o futebol inglês entrará em decadência em poucos anos. Isso deve fazer com que grandes jogadores (sobretudo estrangeiros) que militam na Inglaterra podem desembarcar em outras praças.
Com isso, grandes ligas como a espanhola, a italiana e, sobretudo, alemã podem sair ganhando. Se a turma da Bota ficar esperta, pode retomar, pelo menos, o padrão que detinha até 2006.
Abraço.
adorei a análise!