Rede de Intrigas na Rua Turiassú

O Palmeiras de hoje concentra tudo de ruim que existe no futebol brasileiro: um estatuto malfeito, um conselho dividido, velho, conservador, individualista e fragmentado, a ação frenética de empresários, jogadores maxiextrasupervalorizados (Valdivia, i. e.), torcida organizada com voz ativa na condução do clube, divisão de base sofrível.

A ascensão de Hugo Palaia representa mais uma vitória do tipo de gestão arcaica que vem grassando no futebol brasileiro. Uma infecção séria jaz por baixo da pele palmeirense e todas (ou quase todas) as células que poderiam tentar conter a enfermidade estão entretidas em buscar vantagens para si mesmas. O clube está se devorando e ninguém quer abrir mão de nada. Perderão tudo no final.

Luiz Gonzaga Belluzzo, um homem sério e até onde se possa averiguar, honesto, decidiu candidatar-se à presidência para ajudar seu clube. Foi tragado por um oceano de interesses que, desde o primeiro minuto do neodirigente, tentou miná-lo. Com o tempo, até mesmo o coerente Belluzo transformou-se num cartola das antigas, batendo boca com adversários e desafetos, abrindo as portas a empresários de jogadores, participando de festas de organizadas e contratando jogadores com desempenho pífio. Mesmo com todos os seus defeitos, Belluzzo é a melhor chance do Palmeiras.

Felipão era a última chance de recuperação do Palmeiras, mas, aparentemente, não tem a força que já teve no clube e tem de nadar contra a corrente. Palaia, em um ato de ostensiva baixeza, aproveitou-se da doença de Belluzzo para se vingar da diretoria de futebol (que, diga-se, é a mais incompetente do Palmeiras pós-rebaixamento). Agora, une sua figura física bizarra ao personagem macunaímico que deu a auto-entrevista, cultiva uma personalidade controversa e ansiosa por holofotes numa criatura que mais parece com um vilão de história em quadrinhos e coloca o clube num caminho rigorosamente tenebroso.

Torcer contra o Palmeiras hoje é para meia dúzia de fanáticos medíocres e burros. Belluzzo era um sopro de vida na cartolagem cronicamente inviável para o país – a que nos ofereceu Ricardo Teixeira e colocou Andres Sanchez no cenário (outro que, como Palaia, ascendeu ao poder com vários tapetes puxados no currículo). É fundamental que o Palmeiras se livre de suas chagas, a começar pelo estatuto mesozoico que mantém sarcófagos e templos pagãos no conselho, que faz com que dois ou três conselheiros façam da Rua Turiassú o seu parque de diversões e da falta de transparência a brecha para os empresários drenarem o sangue do clube estacionando seus jogadores de quinta categoria por lá. Os clubes que se opuseram a Ricardo Teixeira na eleição do C13 precisam se apoiar ou morrerão todos juntos, levando o futebol do país consigo.

O Brasil hoje vive um momento delicado para sua recente democracia. Temos um presidente da república que, a julgar por seus últimos atos, colocou sua busca por glória política acima dos interesses do país, a ponto de se aliar ao que há de pior no país – a CBF inclusa – e vociferar contra a liberdade de imprensa. O poder da entidade esportiva mais importante do país se engrandece devorando cada centímetro de evolução que obtivemos num passado recente de Lei Pelé, Estatuto do Torcedor e outros, fortalecido por um pernicioso sistema de favores muito parecido com o que uma organização criminosa perpetuou na Itália – e o que é pior, com o aval de um político que trilhou um caminho fidelíssimo à democracia até que sentiu o sabor do poder e se deslumbrou.

Esse solapamento da democracia é lento e não se sente de uma hora para a outra. Quando se perceber, será tarde demais. E essa aparente bobagem de uma insanidade de um diretor aloprado pode se revelar num momento crucial – especialmente para o clube em si, mas com reflexos para todo o sistema-futebol.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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