Pega o vagabundo

Finalmente, depois de anose anos de inépcia, a Fifa se deu conta do óbvio: o esquema de licenciar agentes não funciona. 75% das transações de jogadores são feitas sem agentes licenciados (a licença em si já é uma pilantragem , uma vez que basta você ter o R$1 milhão exigido pela Fifa e pum, você é um “agente Fifa”.

Os agentes são o tumor do sistema, a chaga – e isso não tem nada a ver com a honestidade desse ou daquele agente. Isso se dá porque o empresário é o único personagem do cenário do futebol (que envolve técnicos, dirigentes, investidores, profissionais de saúde, etc) que não contribui em nada com o sistema – ele só tira. Agentes não treinam jogadores, não os educam, não apostam nesse ou naquele. Só aparecem quando o jogador já está formado e começam a mamar.

Pior do que isso, como os agentes representam mais de um jogador, acabam tendo mais força que os clubes. Por exemplo, um agente de um jogador de seleção brasileira (titular), que não posso citar o nome por uma questão legal, é sabidamente um chantagista que obriga clubes a aceitarem atletas que não querem para não perder aqueles que são importantes. Alguns procuradores tem quase 100 jogadores (alguns, até mais que isso) e com esse poder, a maioria esmagadora dos clubes é refém.

Isso para não falar daqueles que simplesmente agem fora da lei mesmo, como Kia Joorabchian, recentemente classificado pela FA (a federação inglesa) como “outlaw” (literalmente “fora da lei”). Kia não tem clube, não tem centro de treinamento, não tem nada – mas tem o atacante Tévez sob um contrato que ninguém conhece direito. E com o argentino, vai fazendo negócios por aí. Exemplos: sabe quem “assessorou” o Manchester City quando este queria Kaká? Kia. Sabe quem “vendeu” Mascherano ao Liverpool com um contrato ainda pendente com o West Ham? Kia.

A Fifa está longe de ser inocente – o esquema de licenciar atletas nada mais é que um caça-níqueis. Mas como a quantidade de vagabundos aumentou assustadoramente, até Joseph Blatter se mexeu. A saída é simples – estabelecer limites rigorosos: número máximo de assistidos por agente, obrigatoriedade de contrato para o jogador no clube formador, necessidade de autorização do clube formador para transferência antes dos 18 anos, quantidade máxima de transferências por período (ex: uma a cada 18 meses), devolução integral de “luvas” no caso de não cumprimento de contrato e – principalmente – registro e taxação fiscal sobre as transações internacionais em um único foro jurídico.

Vai acontecer? Não. Os jogadores estão com a vida boa e os dirigentes levando dinheiro por fora. A Fifa depende da vontade dos clubes e federações para levar isso adiante, mas estes recebem propina dos agentes. Ou seja: todo mundo reclama, mas quase todo mundo tem ganhos. Aliás, tirando o torcedor, todo mundo se dá bem.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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