José Mourinho é um treinador excepcional – entre os melhores de todos os tempos, enquanto profissional. Na Itália, especialmente a Itália capenga do momento, tem tudo para continuar se dando bem. Tudo não: falta-lhe uma coisa. Entender a cultura do país.
“Entender a cultura” não tem a ver com aparições mediáticas comendo pizza, ouvindo música local ou falar o idioma. Tem a ver com a compreensão de como se dão as relações locais. É algo difícil, mesmo para pessoas preparadas, com estudo e vivência. Não que Mourinho seja incapaz disso (ele o fez bem na Inglaterra), mas até aqui ele não sacou nada da Itália.
Marcello Lippi é um mestre no que diz respeito a este tipo de compreensão. Verdade – ele está em seu ambiente. Mas o modo como Lippi lida com as questões políticas do futebol são uma aula de história. Na Juventus, jamais deu um pio contra o clube, controlado pela família mais tradicional e poderosa do país, os Agnelli. Não por acaso, acabou na seleção. Lá, seu filho “casualmente” (as aspas não são acidentais, como nada na Itália) acabou sendo convidado para ser sócio do mais poderoso escritório de agenciamento de jogadores do país, a GEA. Empresários italianos diziam à época que, para jogar na seleção italiana, só sendo empresariado pela GEA, que pertencia ao filho de Luciano Moggi, ‘capo’ da Juventus e mentor do esquema de corrupção que explodiu em 2006.
Quando esse escândalo explodiu, a Itália viajou à Alemanha sob intensa pressão. Lippi não deu um pio. Seguindo o princípio da “Omertá”, o treinador segurou a barra, manteve a seleção nos trinques (aliás, fez uso da pressão para estimular o time) e jamais abriu a boca para denunciar o reclamar. Pôde sair depois da Copa e voltar em 2008 com calma. Faz parte da família e ainda negocia com ela. Convocou o meia D’Agostino, da Udinese, para a Copa das Confederações “coincidentemente” dias antes da Juve acertar sua compra (já são favas contadas). E a Juve pediu que ele liberasse Ciro Ferrara, seu assistente na seleção, para ser treinador? Feito.
Felipão foi mandado embora do Chelsea porque não soube fazer essa leitura. Mal-assessorado, preferiu não ter um tradutor. Para lidar com a devastadora mídia britãnica, confiou no assessor que o acompanha desde os tempos de Palmeiras, quando precisava lidar, no máximo, com críticos no Mesa Redonda. Caiu. Mourinho soube “ler” a Inglaterra. Lá, controlar a mídia é a chave. Na Itália, a chave é não se fazer inimigos. pelo menos, não os poderosos, como Lippi sabe bem. Os bate-bocas de Mourinho com Juventus e Milan não passarão em branco. Nem que leve tempo.
Entender a cultura de um país e do próprio clube é mesmo essencial. Em recente entrevista à Placar, o zagueiro Alex deu a entender que foi mesmo isso o que derrubou Scolari no Chelsea.
Algo semelhante aconteceu com Luxemburgo no Madrid. Na ocasião, o treinador não entendia a necessidade da torcida madritista de ver seu time jogando com pontas. Para defender sua tese, Luxa chegou a dizer num programa esportivo brasileiro que os pontas na Europa estavam acabando e que o Ferguson estava louco para se livrar de Giggs! Fiquei boquiaberto com tamanha cara de pau. Qualquer um que acompanhe minimamente o futebol europeu sabe que os pontas ou wingers estão presentes em grande parte dos times.
Quem também citou a importância de se conhecer os códigos de cada lugar foi Jorge Valdano em sua participação no Bola da Vez.
Agora, um exemplo perfeito dessa adaptação é Manuel Pellegrini, novo treinador do Madrid.
Abraços.
Muito bom! E Mourinho é um ótimo profissional – ninguém vence tanto apenas por ser legal, por ter sorte etc. -, isso não discuto. Mas o currículo dele também está cheio de falhas. É, por exemplo, o único treinador da era Abramovich a ter perdido uma disputa de mata-mata com o 'Pool na CL. E foram duas de uma vez! Na segunda a coisa era até equilibrada… Mas na primeira, na CL 04/05, os Blues contavam com muito mais valores individuais. E nem dá para dizer que ele ainda não havia tido tempo para incutir o necessário espírito de equipe no Chelsea porque o Benítez também era estreante naquele ano. Na Inter, apesar do scudetto, conseguiu a proeza de terminar atrás do Panathinaikos na fase de grupos da última CL. E a competição era a prioridade da equipe na temporada… Uma façanha digna de nota. Tenho a ligeira impressão que se isso acontecesse com o Milan uma parte da imprensa esportiva brazuca acabaria com a equipe. E ainda tem essa questão de até aqui não ter entendido muito bem onde está pisando. Acho que ele acredita que o fato de não ter tido nenhum pênalti assinalado contra a Inter nesta temporada irá se repetir ad nauseum.