Cultura é cultura…

Normalmente, quando alguém em algum lugar quer tentar classificar uma alteração ou desvio de padrão aparentemente não racional segundo os próprios critérios, atribui à “cultura”. Rigor com as leis na Alemanha? Cultura. Preferência por um futebol mais lento e com o “Playmaker” mais baixo na Itália? Cultura. Incapacidade ou dificuldade extrema em aceitar regulamentos imutáveis no Brasil? Cultura. Basicamente qualquer coisa se encaixa no molde.

Contudo, de vez em quando, a diferenciação cultural é mesmo interessante de se observar. Vamos pegar a proposta de se criar uma Premier League II, por exemplo, que está gerando alguma discussão na Inglaterra.

Contexto: os clubes grandes são ricos e querem ficar cada vez mais ricos. Ainda que a distribuição de dinheiro seja pateticamente desigual, os ricos querem dar cada vez menos aos pobres [nota do editor: aqui, uma característica absolutamente universal, a ganância frenética]. Para criarem um sistema onde os clubes pequenos fiquem com menos e menos possibilidade de acesso, o dono do Bolton propôs a criação de uma “Segunda Divisão” da Premier League. A diferença? É que para entrar nesta elite de 36 clubes (18 em cada divisão), os clubes do resto da pirâmide teriam somente uma vaga por ano. Ou seja, só um clube cairia para o inferno do futebol “comum” e só um poderia ascender ao pátio celestial do dinheiro da PL.

Essa proposta, que tem absolutamente a cara de Ricardo Teixeira e da TV Globo, talvez não nos cause estranheza, dado o fato de que já tivemos mais de 30 regulamentos de Campeonatos Brasileiros diferentes. Na Inglaterra, os fãs de futebol se recusam a aceitar. Será que aqui se recusariam? Ou com duas ou três rodadas de um locutor ufanista e vendido falando que “é muito mais legal” ter só os clubes grandes, “como na NBA”, a fórmula já seria adotada? Um poema do inglês Percy Bysshe Shelley, “Canção aos Homens da Inglaterra“, dá o tom de como os ingleses, acostumados a um governo eleito há trezentos anos, não baixariam a cabeça facilmente.

Questão de cultura. Mas dá para mudar.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
Top