E agora?

O São Paulo foi crucificado porque não quis dar mais de 10% dos ingressos à torcida corintiana. Crucificado. Se disse que era um clube elitista, com diretores imbecis, que não se preocupavam com o povo. O Corinthians? Se comportou como parte lesa, ofendidíssimo. “Enquanto eu for presidente, o Corinthians não joga no Morumbi como mandante”, disse Andres Sanches. E agora, como se justifica a cota de 6% dos ingressos dada aos santistas?

Ao contrário da maioria, acho que a assunção de que não dá para ter duas torcidas num clássico é correta. Mas só é correta se for adotada como um paliativo para mudanças maiores. Boa parte da mídia desceu a boca no projeto de carteirinhas para os torcedores (que, de fato, está longe do ideal), mas ninguém celebra o aparente fim da letargia do governo. Assim como as carteirinhas, impedir a divisão dos estádios não me parece a melhor solução no momento. Infelizmente, me parece a única.

O ponto crucial do problema está em como abordá-lo. Enquanto os encarregados do combate à marginalidade uniformizada forem como o promotor Fernando Capez, que usou o assunto como trampolim político, a coisa não anda. O problema da violência nos estádios vai desde a questão social geral do país até a legislação que impede a polícia de manter preso o vagabundo que causa arruaça no estádio, passando pela irresponsabilidade criminosa dos dirigentes que, por razões políticas, sustentam as facções organizadas. E, claro, no fornecimento de um serviço decente ao torcedor com higiene, segurança, lugares numerados, facilidade de acesso e todas as coisas óbvias a qualquer entretenimento.

A Inglaterra resolveu seu problema da violência endêmica unindo três itens: responsabilização dos promotores do evento pelas conseqüências do mesmo, punições draconianas aos bandidos que fingem torcer para um time como meio de saciar seus desvios sociais e abertura de linhas de crédito (vejam bem, não se trata de “doação” e sim “empréstimo”) para os clubes e empresas que quisessem investir em estádios segundo as normas necessárias de segurança. Em uma frase: TODOS os envolvidos têm de assumir as conseqüências dos seus atos.

Para a resolução do problema, o Brasil tem dois grandes, imensos obstáculos. Primeiro, a legislação é vaga e flácida no que diz respeito a responsabilizar cartolas e assim, qualquer crime cometido por um cartola passa em branco. Alberto Dualibi só caiu em desgraça no Corinthians porque parou de pagar os proxenetas (e muitos deles ainda estão no poder).

Segundo, um projeto do gênero pede um grande peso político. Apesar do presidente Lula ter uma origem “libertária”, digamos assim, ele sabe que sem a oligarquia ignorante e corrupta, não se faz nada no Brasil. E nessa oligarquia nojenta a cartolagem deita e rola na lama, exatamente como porcos se divertindo num dia de sol. Enquadrar os marginais que se sentem machos nos estádios é muito mais fácil do que os porcos .

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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