Ruína (im)Prevista

Uma derrota nos pênaltis é sempre o que pode acontecer de pior para uma seleção ou time que esteja pensando em trocar de treinador. A menos que se trate de uma derrota que jamais poderia ter vindo, a dúvida paira sobre a decisão e nem partidários nem opositores do técnico encontram um argumento decisivo para fechar a questão.

O dilema é exatamente o que se abate sobre a Itália neste momento. Roberto Donadoni vinha sendo duramente criticado na Itália, mas Enzo Bearzot em 1982 e Marcello Lippi em 2006 foram muito mais achacados. Só que venceram e daí, tudo se perdoa.

Independente do critério técnico, a verdade é que Donadoni nunca foi a escolha de coração da Federcalcio. Voltando um pouco no tempo, lembremos-nos que o seu nome foi eleito por Guido Rossi, o interventor do futebol italiano na lama do Calciocaos quando as investigações ainda estavam em andamento. Donadoni foi escolhido exatamente porque era um nome novo, de fora do círculo de poder. Era a escolha que Rossi queria para tirar a ‘Azzurra’ do jogo de forças do futebol italiano.

O fato de ser um nome de ‘fora’ do jogo foi decisivo para Donadoni ser escolhido, mas é exatamente o que causa a ostensiva oposição a ele. Como observava um jornalista da BBC há alguns meses, um ditado italiano explica porque o ex-milanista não conseguiria se firmar se não vencesse a Euro 2008: “Você precisa de santos para viver no Paraíso”, ou seja: para sobreviver nos âmbitos do poder na Itália, é preciso que você tenha suas conexões. E Donadoni não as tem. Pelo menos não ainda.

Por isso, o retorno de Lippi, campeão mundial em 2006, é dado como certo na Itália. Já se fala até mesmo que ele terá a companhia de Angelo Peruzzi – campeão mundial em 2006 na reserva de Peruzzi – como seu assistente, além do retorno de Ciro Ferrara, seu assistente na Copa do Mundo. Lippi sabe que aliados não atrapalham. Pelo menos, não na Itália.

Em campo…

A derrota nos pênaltis para a Espanha já iniciou a crucificação de Donadoni e o presidente da Federcalcio, Giancarlo Abete, já reagiu. “Não aceito essas críticas a Donadoni. Quem perdeu pênaltis não foi ele”. É verdade. Em termos de erros práticos, o treinador só cometeu deslizes no primeiro jogo, mandando a campo um time que era dado como titular por todo mundo (exceção feita a De Rossi, talvez). Depois, não.

Contra a Espanha, a Itália entrou em campo com a melhor escalação possível. Aquilani esteve apagado na maior parte do tempo, assim como Perrotta e Cassano. Resultado: a Itália era um time que apostava no contragolpe mas não contragolpeava, porque não tinha ninguém para puxar. “Ah, tinha de ter o Camoranesi e o Di Natale”. Sim, exatamente o pior jogador da partida contra a França e um dos que erraram os pênaltis.

Se Luca Toni saiu da Euro como o maior “flop” entre as grandes expectativas (zero gols em quatro jogos e um bigode que deve durar pelo menos até agosto), a Itália teve em Chiellini um defensor inacreditável: sozinho, ele tranformou Villa e Torres em dois amadores. O juventino é o ponto de partida da nova defesa italiana. Aliás, não é coincidência que ele seja juventino, assim como Amauri e Buffon, os pontos centrais da ‘Nazionale’ de Marcello Lippi. Na semana que vem, a Trivela fala sobre como a Juventus, em dois anos, conseguiu de sair da segunda divisão para a base na seleção. Uma obra-prima de negociação política.

Análise da temporada – Parte II

Empoli
Destaque: Sebastian Giovinco (meio-campista)
‘Flop’: Guillermo Giacomazzi (meio-campista)
Posição final na liga: 18o
Copa Nacional: semifinais
Copas Continentais: eliminado na primeira fase da Copa Uefa
Nota: 4

Tudo deu errado numa temporada que se desenhava até promissora. Com uma vaga inédita na Copa Uefa, o Empoli sonhou com outra temporada como a passada, mas a maionese desandou logo de cara. O time foi eliminado da Copa Uefa antes da fase de grupos e demitiu seu técnico.

Um espetacular Giovinco não foi suficiente para manter o ritmo de um time que perdeu Almiron, a viga-mestra do meio-campo na Série A anterior. Se não tivesse mandado o treinador Cagni embora para depois recontratá-lo – prática lamentavelmente comum na Itália de hoje, talvez tivesse conseguido sua permanência.

Catania
Destaque: Juan Manuel Vargas (ala/lateral direito)
‘Flop’: Albano Bizzarri (goleiro)
Posição final na liga: 17o
Copa Nacional: semifinal
Copas Continentais: não participou
Nota: 6

Uma campanha surpreendente na Copa Itália fez com que a permanência na Série A do Catania tivesse até um certyo ar de sucesso para o clube siciliano. Na verdade, a “virada” que o time protagonizou com a chegada do técnico Walter Zenga foi pouco alem de um “Efeito Joel” que a chegada de um técnico qleatório pode despertar no time.

De qualquer maneira, o objetivo do clube foi alcançado. Em grande parte, o mérito do feito se deve ao peruano Vargas, um dos melhores externos do campeonato nesta temporada (e já prometido à Fiorentina). A permanência do clube em 200809 será ainda mais dura. Mas isso já tinha sido dito no começo do campeonato que se encerrou.

Reggina
Destaque: Franco Brienza (meio-campista)
‘Flop’: Stepneh Makinwa (atacante)
Posição final na liga: 16o
Copa Nacional: oitavas-de-final
Copas Continentais: não participou
Nota: 6,5

Os torcedores calabreses do ‘Granillo’ estão se acostumando a uma perigosa mania: a de escapar de rebaixamentos no último minuto. Esta temporada reproduziu a mesma sensação do torneio anterior e a estatística serve para provar que só isso já faz da Reggina a favorita para cair na próxima temporada.

Alerta feito, o clube ‘amaranto’ merece aplausos pelo modo como – mais uma vez – arrancou das trevas as forças para se manter no campeonato. A chegada de Brienza na janela de janeiro foi fundamental, assim como as contribuições de Barreto, Amoruso e Lanzaro. O ponto baixo foi Makinwa, centroavante emprestado pela Lazio que conseguiu jogar 28 vezes sem marcar nenhum gol.

Torino
Destaque: Alessandro Rosina (meia-atacante)
‘Flop’: Avaro Recoba (atacante)
Posição final na liga: 15o
Copa Nacional: oitavas-de-final
Copas Continentais: não participou
Nota: 5

Pelo time que tinha, o ‘Toro’ poderia ter garantido a permanência na Série A bem antes do que o fez. Reforçado por Recoba, com o talento de Rosina e com nomes como Diana, Barone, Comotto e Di Michele, achava-se que o treinador Novellino faria mais.

Não o fez e Novelloino não chegou ao final da temporada. Rosina seguiu como a faísca de talento no meio-campo, mas o Torino raramente foi um time compacto, especialmente na defesa. Recoba ‘flopou’ de vez e Di Michele perdeu a incisividade que teve na Udinese e Palermo. Tem um elenco bastante razoável, mas provavelmente alguma questão de relacionamento interno impede que o time se construa com tranqüilidade.

Cagliari
Destaque: Davide Ballardini (técnico)
‘Flop’: Joaquin Larrivey (atacante)
Posição final na liga: 14o
Copa Nacional: oitavas-de-final
Copas Continentais: não participou
Nota: 7

Sendo um dos clubes coma direção mais espalhafatosa e infantil da Itália, cada ano que os sardos passam a mais na Série A já merece comemoração. Neste ano, o Cagliari dava a impressão de começar com o pé esquerdo por confirmar um técnico que tinha sido demitido e recontratado no campeonato anterior. E a impressão se confirmou.

A demissão de Marco Giampaolo tinha tudo para fechar o caixão do time, mas fortuitamente, não o fez. O seu sucessor, Davide Ballardini, fez um trabalho fantástico e reacendeu a esperança que já estava morta. Recuperando nomes como Acquafresca, Cossu e Foggia e se reforçando com ‘refugos’ como Jeda, o Cagliari teve uma reação similar à da Reggina no campeonato anterior. Se o Cagliari ficou na Série A, deve a Ballardini que, em tempo, não foi confirmado no cargo. Bem a cara do Cagliari do presidente Masimo Cellino.

Siena
Destaque: Paolo De Ceglie (ala)
‘Flop’: Dimitrios Eleftheropoulos (goleiro)
Posição final na liga: 13o
Copa Nacional: terceira fase
Copas Continentais: não disputou
Nota: 7

O campeonato que se encerra ficará na memória da torcida senese como um ano muito regular. O clube chegou à sua meta de permanência com várias semanas de antecipação, valorizou jogadores em co-propriedade (como o ala De Ceglie), teve uma defesa muito consistente (Loria, Portanova, Rossettini) e um elenco equilibrado em quase todas as posições. Surpreendentemente, não confirmou o técnico Mário Berretta para o campeonato seguinte, mas partirá de uma base bem interessante e com um técnico capacitado (Giampaolo). Sem alarde, o Siena fica mais um ano numa divisão claramente acima de seu porte.

Lazio
Destaque: Goran Pandev (meia/atacante)
‘Flop’: Fernando Muslera (goleiro)
Posição final na liga: 12o
Copa Nacional: semifinal
Copas Continentais: eliminado na primeira fase da LC
Nota: 5

Da euforia de participar da Liga dos Campeões até o burocrático fim de campeonato, a Lazio teve todos os humores possíveis e não pode culpar ninguém a não ser si mesma por um ano onde os erros de projeto que eram claros no começo do torneio acabaram prevalecendo.

Sem um goleiro decente depois da aposentadoria de Peruzzi (somente o geronte Ballotta e o errático Muslera, já que preferiu comprar Carrizo deixando Diego para o Almería), a Lazio sofreu durante todo o ano, pressionando até um técnico Delio Rossi que não tinha o que fazer. A queda produção de Mauri no meio-campo se fez sentir, mas nomes como Kolarov e Radu indicam esperanças para recomeçar.

Palermo
Destaque: Amauri (atacante)
‘Flop’: Maurizio Zamparini (presidente)
Posição final na liga: 11o
Copa Nacional: oitavas-de-final
Copas Continentais: eliminado na primeira fase da Copa Uefa
Nota: 3

Se estivesse nas mãos de qualquer um que não fosse claramente um ‘attention-seeker’, o Palermo brigaria até a última rodada para chegar à LC ou teria uma vaga Uefa fácil. Com Zamparini e seu estilo estrambólico no comando, a 11a colocação foi até muito. Mais uma vez, demissão do treinador Guidolin (a terceira seguida no mesmo contrato) e decisões tomadas na mesa do bar fizeram de um time muito bom um verdadeiro caos.

No plano individual, o brasileiro Amauri se confirmou como homem-gol a ponto de merecer uma contratação milionária da Juventus, mas não uma chamada de Dunga. As frustrações vieram dos meias Jankovic e Bresciano que não estiveram particularmente bem e do atacante Cavani, que brecou uma ascensão clara que teve no ano anterior. Quando se livrar de Zamparini, o Palermo pode se fixar na parte de cima da tabela. Antes disso, não.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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