Estava escrito

“Eu lamento muito por Donadoni. Só me incomoda essa sensação de que tudo já estava acertado mesmo antes da Itália ser eliminada”. A frase é de Dino Zoff, ex-goleiro campeão do mundo em 1982 e ex-técnico da ‘Azzurra’, sobre a exoneração de Roberto Donadoni.

A análise de Zoff é precisa. Já estava mesmo tudo acertado e dificilmente isso poderia ter ficado mais claro. O treinador não só já foi para a Eurocopa ‘demitido’ como na verdade esteve ‘demitido’ em toda a sua gestão, ou quase isso.

O retorno imediato de Marcello Lippi não é o único indício da premeditação do evento. Outros detalhes apontam para essa conclusão: a hesitação da Federcalcio em renovar o contrato de Donadoni (que na prática não foi renovado), a má vontade de jogadores como Totti e Nesta em atuar pela seleção, a indisposição da imprensa e principalmente a proximidade da Juventus com os novos homens-chave da ‘Azzurra’.

Cerca de 17 jogadores são dados como certos no grupo de Lippi: Buffon, Chiellini, Camoranesi, Amauri, Iaquinta, Del Piero (Juventus), Pirlo, Zambrotta, Gattuso e Borriello (Milan), De Rossi e Aquilani (Roma), Cassano (Sampdoria), Montolivo (Fiorentina), Grosso (Lyon), Quagliarella e Di Natale (Udinese). Seis deles já são da Juventus e outros dois (Grosso e Aquilani) são fortemente cotados. Não é só: entre os jovens que devem ser testados, Marchisio, Giovinco e Nocerino são “pratas da casa” da sociedade torinesa.

Naturalmente que um treinador do porte de Marcello Lippi não faria nenhuma convocação sob as ordens de ninguém. Mas na Itália as coisas não funcionam assim. O que acontece é que Lippi é uma personalidade do ‘sistema calcio’. Ele conhece e é conhecido pelas pessoas que têm poder. Na Itália é isso o que conta. Não é à toa que Davide Lippi, filho do treinador, é agente de jogadores e fazia parte da GEA, a agência de jogadores que funcionava no coração do escândalo do futebol italiano.

Donadoni, como escrevi nesta coluna na semana passada, nunca foi uma escolha da Federcalcio, Sua escolha foi feita por um interventor – Guido Rossi – e justamente por isso sua rejeição nos círculos de poder só aumentou. Mesmo que tenha errado em convocações e escalações, por exemplo, o ex-treinador da seleção, nunca teve a quem recorrer.

O retorno de Lippi à seleção italiana demonstra o retorno da Juventus à posição de onipotência no futebol italiano. Com um estilo silencioso, o clube conseguiu, em somente dois anos, passar do rebaixamento da Série B para a disputa da Liga dos Campeões com a base da seleção campeã do mundo. Se isso não é talento político, o que será que é?

Internazionale
Destaque: Zlatan Ibrahimovic (atacante)
‘Flop’: Maniche (meio-campista)
Posição final na liga: campeã
Copa Nacional: vice-campeã
Copas Continentais: oitavas-de-final da Liga dos Campeões
Nota: 7

Com o seu terceiro título consecutivo, a Inter volta a deixar claro que não tem concorrentes no futebol italiano ‘pós Calciocaos’. O problema talvez seja exatamente esse: vencer na Itália não prova mais nada que os interistas já não saibam e a temporada foi muito mais marcada pela eliminação na LC do que pelo ‘scudetto’ suado na última rodada. A obrigação da Inter – ou pelo menos sua intenção – era a de avançar na Liga dos Campeões e vencer o título nacional com folga. Nenhuma das duas coisas aconteceu e o grupo rachou. Se a ‘nova’ Inter de José Mourinho sofrerá as conseqüências, só o tempo vai dizer.

Roma
Destaque: Mirko Vucinic (atacante)
‘Flop’: Mauro Esposito (meia/atacante)
Posição final na liga: vide-campeã
Copa Nacional: campeã
Copas Continentais: eliminada nas quartas-de-final
Nota: 7

Dona do futebol mais bonito da Série A nos últimos dois anos, a Roma só teve de se dobrar ao poderio econômico da Inter, infinitamente maior. Mesmo que tenha ameaçado o título interista até a última rodada, a sensação romanista é a de impotência, de conformação com os próprios limites. Líderes incontestes do grupo como Totti e De Rossi ‘floparam’ na hora decisiva e o time se ressentiu. A nota positiva foi a confirmação do montenegrino Vucinic, primeiro nome capaz de fazer a falta de ‘Il Capitano’ não ser tão sentida. A Copa Itália é legal, mas já não tem graça para uma Roma que precisa de um novo ‘scudetto’.

Juventus
Destaque: Alessandro Del Piero (atacante)
‘Flop’: Sergio Almirón (meio-campista)
Posição final na liga: 3o lugar
Copa Nacional: quartas-de-final
Copas Continentais: não disputou
Nota: 8

Tudo bem, estamos falando da Juventus, mas de qualquer maneira era um time vindo da segunda divisão e precisava mostrar que não tinha perdido seu DNA. Não perdeu. À Juventus talvez tenha faltado aquela contratação de peso, mas num elenco até meio envelhecido, aflorou o orgulho. Com uma defesa de aço (menos de um gol por jogo), a Juve teve em Alessandro Del Piero o seu eterno capitão e ‘match-winner’. Se fosse necessário indicar as falhas, seriam as contratações de Tiago e Almirón, incapazes de se adaptar ao ritmo do futebol italiano.

Fiorentina
Destaque: Riccardo Montolivo (meio-campista)
‘Flop’: Christian Vieri (atacante)
Posição final na liga: 4o lugar
Copa Nacional: quartas-de-final
Copas Continentais: semifinal da Copa Uefa
Nota: 7,5

Ainda que a Fiorentina tenha sido uma das equipes que mais investiu no mercado, o time de Cesare Prandelli não tem como não seu louvado como um dos melhores em termos de resultado. O elenco todo é muito jovem, mas já aprendeu que pode tirar mais de si mesmo. Excelentes as maturações de Montolivo, Kuzmanovic e Donadel, provavelmente titulares do time 2008/09. Sem Vieri (fadado a deixar Florença), o grupo ‘gigliato’ tem tudo para se consolidar na elite da Série A mais uma vez, depois da lenta recuperação após a falência de alguns anos atrás.

Milan
Destaque: Alexandre Pato (atacante)
‘Flop’: Dida (goleiro)
Posição final na liga: 5o lugar
Copa Nacional: oitavas-de-final
Copas Continentais: oitavas-de-final da Liga dos Campeões
Nota: 4

Inapelável o fracasso do Milan na temporada posterior ao heróico sucesso europeu de Atenas. O erro do Milan foi no planejamento do ano, onde a aposta era toda numa boa temporada de Ronaldo. Como o brasileiro se machucou cedo e quase nçao jogou (seis partidas e dois gols), o time ruiu, também com a queda de produção dos alicerces da equipe, visivelmente exaustos pela falta de reservas (Kaká, Pirlo, Gattuso, Seedorf) e com a decadência assombrosa de Dida. ‘Flops’ destacados para Gilardino, Gourcuff, Cafu e Serginho (todos já negociados); positivas as esperanças sobre o jovem atacante Paloschi, inesperado candidato a futuro Pippo Inzaghi.

Sampdoria
Destaque: Antonio Cassano (atacante)
‘Flop’: Cristian Zenoni (defensor)
Posição final na liga: 6o lugar
Copa Nacional: quartas-de-final
Copas Continentais: eliminada na primeira fase
Nota: 7

O começo de temporada do técnico Walter Mazzarri foi hesitante e falou-se até numa substituição. A manutenção do ex-treinador da Reggina valeu a pena e o clube de Genova se articulou com uma das táticas mais peculiares da Série A. Com uma defesa a três, Mazzarri usou dois laterais (Maggio e Campagnaro) como zagueiros externos e ganhou mobilidade e qualidade no passe. Cassano, como sempre, condicionou seu talento ao temperamento e, quando esteve em campo, foi o nome do time. Foi bastante mas não o suficiente para levar a Samp ao próximo estágio.

Udinese
Destaque: Gökhan Inler (meio-campista)
‘Flop’: Christian Obodo (meio-campista)
Posição final na liga: 7o lugar
Copa Nacional: quartas-de-final
Copas Continentais: não participou
Nota: 7

O forte da Udinese é o gerenciamento de novos talentos combinado com a venda de revelações. A receita manteve o clube do Friuli às portas da Liga dos Campeões e proporcionou um punhado de jogadores que devem fazer o cofre dos ‘Zebrette’ mais robusto. O suíço Inler, o colombiano Zapata e os atacantes Quagliarella e Di Natale têm espaço em qualquer clube italiano hoje, se a Udinese assim quiser. Destaque também para o treinador Pierpaolo Marino, que já tinha feito um excelente trabalho no Catania na temporada anterior.

Napoli
Destaque: Marek Hamsik (meio-campista)
‘Flop’: Samuele Dalla Bona (meio-campista)
Posição final na liga: 8o lugar
Copa Nacional: oitavas-de-final
Copas Continentais: não participou
Nota: 6,5

Outro promovido “notável” da Série A, o Napoli veio para a temporada com um otimismo típico do fanatismo do sul da Itália. Talvez por isso, durante o ano, o clube tenha sofrido tanto com boatos sobre a demissão do técnico ou de cobranças exageradas. Sentimentalismos à parte, o Napoli fez o que pôde. Além disso, criou nomes em torno dos quais o clube pode ter um futuro bem sólido, como Hamsik, Santacroce, Paolo Cannavaro e Blasi.

Atalanta
Destaque: Adriano Ferreria Pinto (meio-campista)
‘Flop’: Costinha (meio-campista)
Posição final na liga: 9o lugar
Copa Nacional: terceira fase
Copas Continentais: não participou
Nota: 6

Num torneio que se desenhava dificílimo, a Atalanta levantava expectativas pela contratação do técnico Luigi Del Neri e por uma divisão de base normalmente prolífica. A permanência tranqüila na primeira divisão fechou uma temporada positiva para um time que deve melhorar ainda mais. Sem contratações caras, o ex-técnico do Chievo tirou o melhor de nomes como Adriano, Tissone, Floccari, Guarente num time muito compacto, inteligente e aplicado. Bérgamo fecha o campeonato com boas esperanças.

Genoa
Destaque: Marco Borriello (atacante)
‘Flop’: Anthony Vanden Borre (defensor)
Posição final na liga: 10o lugar
Copa Nacional: segunda fase
Copas Continentais: não participou
Nota: 6,5

Clubes recém-promovidos, diz a história, devem se preocupar muito mais com um possível rebaixamento imediato do que com fazer história na nova divisão, independente do seu porte. Vendo sob esse prisma, o Genoa conseguiu uma campanha muito boa na sua volta à Série A. Além de não correr riscos de rebaixamento, consolidou jogadores (Konko, Borriello, Criscito), apostando num futebol ofensivo, ainda que pagando o preço na defesa. Além disso, manteve o treinador (Gasperini) para começar a Série A com um time entrosado. De fato, um retorno auspicioso.

Curtas

– A Série B, nesta temporada, teve mais uma queda de público.

– A promoção de três clubes como Napoli, Juventus e Genoa certamente colabora, mas o fato é que a quantidade de espectadores caiu para cerca de 57% dos números nos últimos cinco anos.

– A maior reclamação dos clubes da segundona italiana é que cada vez os acordos de TV estão dando menos dinheiro aos clubes pequenos em favorecimento dos grandes.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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