Nos últimos anos, o futebol italiano perdeu bastante de seu esplendor técnico. Na verdade, nem chegou a perder, mas o que acontece dentro dos campos foi amplamente superado pelos escândalos extra-campo: doping, apostas, passaportes falsos, balancetes falseados, quase tudo de ilegal aconteceu no futebol peninsular para mudar as manchetes futebolísticas da página de esportes para a policial. Houve quem dissesse que havia um lado positivo, pois se disse que estava havendo uma purificação do sistema.
Se era o caso, a purificação não acabou, e o pior ainda está subindo á tona. Na semana passada, o futebol italiano teve os problemas mais graves e insólitos de sua história, levando o presidente da Federcalcio a dizer que é “o pior momento da história do esporte na Itália, de muito longe”. E ele não está exagerando.
Na última semana, a justiça (em diferentes instâncias) decidiu o rebaixamento do Genoa da Série A para a Série C1. O motivo foi que o clube da Ligúria teria comprado o resultado com o Venezia na última rodada para assegurar a promoção. Mas não só: Torino e Messina teriam também perdido a vaga na Série A porque não conseguiram as inscrições no torneio em decorrência de dívidas, assim como Perugia e Salernitana na Série B.
Não é só: o Napoli, que perdeu a promoção à Série B na última temporada, resolveu entrar com recursos contra sete clubes da Série B. O objetivo? Provocar o rebaixamento de todos e assim, “assegurar” a vaga na Série B no melhor estilo tapetesco brasileiro, numa manobra que nem o futebol menos desenvolvido do mundo já assistiu.
O resumo da ópera é um só: exceção feita a cerca de 15 clubes da Série A e a mesma quantia da Série B, não se sabe quem vai jogar nas duas divisões na Itália. Na última sexta, para as vagas de Genoa, Torino e Messina eram dados como certos Bologna, Ascoli e Treviso, mas o Messina entrou com uma denúncia contra o Bologna, e o destino voltou a ficar turvo.
As tabelas das duas divisões ainda não foram noticiadas, e salvo uma intervenção dramática da federação, o campeonato não começará na data marcada. Pelo que se pode perceber, muitos clubes têm irregularidades, e se for preto no branco, talvez não haja a quantidade de clubes necessária para se fechar a grade de clubes das primeiras divisões.
Como se não bastasse o frenesi jurídico, as torcidas dos clubes envolvidos também foram á luta. Em Messina e Genova, passeatas tomaram as ruas e promessas de violência foram feitas para o caso do rebaixamento se confirmar. O mês de agosto será quente na Itália. Mais quente do que nunca.
RAI perde a Série A e muita coisa pode mudar
No fronte da batalha pelos direitos de transmissão da Série A, outra batalha teve seu desfecho nesta semana, e a RAI sofreu uma derrota que terá muitas repercussões. A Mediaset, empresa do primeiro-ministro e dono do Milan, Silvio Berlusconi, bateu a emissora estatal na compra dos direitos de exibição em TV aberta dos melhores momentos da Série A italiana.
Na prática, a RAI sofre um duro golpe na sua programação. Especialistas do país foram unânimes em afirmar que a perda do futebol dominical (o tradicional programa ‘90o minuto’ será aposentado depois de três décadas de atividade) vai bater forte na imagem da emissora e a médio prazo terá reverberações na receita da estatal. Para os especialistas, a RAI corre o risco de se transformar numa emissora “para a terceira idade”, se não reaver o futebol.
Apesar de ser uma emissora estatal, o telespectador na Itália tem de pagar uma assinatura anual para poder assistir a RAI legalmente (se não o fizer, o infrator corre o risco de ser multado). Sem o futebol, o usuário italiano migraria para os canais fechados, num processo inédito, já que a emissora estatal sempre teve participação relevante no futebol italiano.
O preview da temporada
A partir desta semana, a Trivela começa a publicar os previews dos clubes para a Série A da Itália. Nesta semana, os cinco primeiros colocados da última Série A: Juventus, Milan, Internazionale, Udinese e Sampdoria.
Juventus
Estádio: Delle Alpi (71.012 lugares)
Técnico: Fabio Capello
Estrela: Zlatan Ibrahimovic (atacante)
Fique de olho: Chiellini (Lateral-esquerdo)
Quem chegou: Patrick Vieira (Arsenal – ING), Miccoli (Fiorentina), Giannichedda (Lazio), Chiellini (Fiorentina), Maresca (Fiorentina), Tudor (Siena) e Legrottaglie (Bologna).
Quem saiu: Kapo (Monaco – FRA), Appiah (Fenerbahce – TUR), Volpato (Siena), Masiello (Avellino), Benjamin (Standard Liége – BEL), Gastaldello (Siena), Legrottaglie (Siena), Piccolo (Lazio) e Paladdino (Livorno)
Pretensão: ganhar tudo o que disputar.
Sempre que se inscreve em alguma competição, a Juventus é candidata ao título. Nesta temporada, a idéia do clube piemontês é a de levar para Turim todos os troféus que disputar, com especial destaque à Liga dos Campeões, que o clube não vence desde 1996. E se levarmos em conta que o time é treinado por Fabio Capello e que esse time já vem com um ano de rodagem, é duro pensar que não dá.
A Juve fez poucos adendos ao seu time, todos visando poder descansar mais seus jogadores mais importantes. Na defesa, o croata Kovac deve ser o primeiro reserva de todos os defensores, e a aposta da temporada, para Capello, é a de empurrar Zambrotta para o meio-campo e colocar Chiellini na lateral – ou até, o segundo como reserva do primeiro.
Capello pensou o time para este campeonato em cima de uma dupla de ‘super-volantes’: o brasileiro Emerson e o francês Vieira fazem o meio-campo mais forte do mundo, e com isso, o técnico quer consolidar o 4-4-2 do ano anterior. Camoranesi e Nedved são os titulares dos flancos do meio-campo, e talvez as posições sejam as únicas onde a Juve não tem uma cobertura tranqüila.
No ataque, ao contrário, a Juventus tem um leque de opções sem igual. Ibrahimovic é o titular certo, com Trezeguet, Del Piero e Mutu os candidatos ao posto de segundo atacante. E com a dupla Vieira-Emerson, Capello já adiantou que pode usar três atacantes – solução que impediria de deixar Del Piero no banco.
Milan
Estádio: Giuseppe Meazza “San Siro” (85.700 lugares)
Técnico: Carlo Ancelotti
Estrela: Andriy Shevchenko (atacante)
Fique de olho: Vogel (meio-campista)
Quem chegou: Gilardino (Parma), Vieri (Inter), Eleftheropoulos (Messina), Jankulovski (Udinese) e Vogel (PSV – HOL)
Quem saiu: Tomasson (Stuttgart – ALE), Dhorasoo (PSG – FRA), Abbiati (Genoa – ITA), Borriello (Sampdoria), Brocchi (Fiorentina), Pancaro (Fiorentina), Esajas (fimd e contrato) e Dalla Bona (Sampdoria)
Pretensão: ganhar tudo o que disputar.
O mote da temporada milanista certamente será o de esquecer definitivamente a derrota dolorosíssima da final da Liga dos Campeões em maio último. O clube italiano parece ter encaixado o golpe sem maiores traumas, e depois de uma campanha de contratações bastante interessante, se apresenta para o ano com a disposição de vencer o que for possível – e em caso de escolha, a Liga dos Campeões, com louvor.
A defesa milanista será o único setor do time gerar alguma preocupação nesta temporada. Não que a qualidade do setor comprometa (Maldini, Stam, Cafu, Nesta, Kaladze, Simic e Costacurta têm para dar e vender), mas a idade média do grupo (31 anos) é muito alta, e suscetível a lesões. Além disso, o técnico Carlo Ancelotti está experimentando jogar com a defesa a três, com Maldini, Stam e Nesta, para liberar um homem a mais no meio-campo (Jankulovski). A proposta é excelente, mas requer treino e sincronia com o meio-campo.
No meio-campo, o Milan sobra. O tcheco Jankulovski é o coringa de Anelotti para jogar em qualquer uma das duas alas, Vogel pode substituir Pirlo ou Gattuso, e os outros meio-campistas do time (Rui Costa, Ambrosini, Kaká) são certeza de jogo sólido. A ressalva é para o brasileiro Serginho, que com 34 anos, pode sentir o peso da idade no seu jogo veloz.
O ataque milanista é o mais forte do mundo. Com as contratações de Vieri e Gilardino, o Milan passa a ter opções de jogo dentro da área, com mais força física, além de Shevchenko e Inzaghi. Não só pela qualidade, mas pela variedade de características, o ataque do Milan é que vai rebocar o time. Se não vencer a Liga dos Campeões ou o ‘scudetto’, no ano que vem, reformulação total.
Inter
Estádio: Giuseppe Meazza “San Siro” (85.700 lugares)
Técnico: Roberto Mancini
Estrela: Adriano (atacante)
Fique de olho: Choutos (atacante)
Quem chegou: David Pizarro (Udinese), Wome (Brescia), Solari (Real Madrid – ESP), Julio César (Chievo), Morfeo (Parma), Dalmat (Toulouse – FRA), Pasquale (Siena) e Potenza (Parma)
Quem saiu: Davids (Tottenham – ING), Vieri (Milan), Sorondo (Charlton – ING), Pasquale (Parma) e Potenza (Mallorca).
Pretensão: vencer o título italiano.
O ano da Inter começa com pelo menos um alento: o time já tem um ano e não trocou de técnico. No caso do clube de via Durini, isso já é muito significativo e muito positivo, uma vez que sugere que certos mecanismos do técnico Roberto Mancini já devem estar um pouco mais aperfeiçoados.
Problemas, há. O time tem três goleiros concorrendo pela vaga de titular (Carini, Júlio César e Toldo), não tem uma certeza na lateral-esquerda (Wome é a aposta para resolver a posição ‘maldita’) e na lateral-direita, Javier Zanetti joga muito mais no nome do que na bola. Mas a chegada de Walter Samuel deve ser um fator de diferenciação para dar uma segurança que não existe há anos.
O meio-campo interista pode vir a ser espetacular, com Verón e Pizarro disputando o comando do setor, Cambiasso como volante, e Solari e Stankovic pelas alas. Sem lesões, são nomes suficientes para um setor que dure por anos. O problema é que na Inter, isso pode não querer dizer nada, porque todo ano chegam bons jogadores.
Na frente, a Inter tem uma certeza (Adriano) e mais três jogadores que brilham com irregularidade (Martins, Julio Cruz e Recoba). Recoba deve ter mais espaço sem Vieri, mas agora a Inter depende só de Adriano para marcar os gols que precisa. Pela distância do último título importante (o ‘scudetto’ de 1989), a temporada da Inter já abre uma champanhe se no ano que vem, o ‘tricolore’ estiver na camisa ‘nerazzurra’.
Udinese
Estádio: Friuli (41.652 lugares)
Técnico: Serse Cosmi (novo)
Estrela: Di Michele (atacante)
Fique de olho: Felipe (zagueiro)
Quem chegou: Candela (Bolton – ING), Obodo (Perugia), Vidigal (Livorno), Natali (Bologna), Barreto (Treviso), Alberto (Siena), Nomvete (Ascoli).
Quem saiu: Jankulovski (Milan) e Kroldrup (Everton – ING)
Pretensão: vaga na Copa Uefa.
A Udinese já tinha conseguido uma colocação melhor que a 4a posição na Série A (foi 2a colocada em 1955 e 3a colocada em 1998), mas jamais tinha conseguido a qualificação para a Liga dos Campeões, o que redimensiona totalmente a temporada. O dinheiro da competição é excelente, mas os jogos extras do time devem ter repercussão na performance de um time que não tem um elenco vastíssimo.
O maior reforço para a temporada foi a contratação do técnico Serse Cosmi, que subiu o Genoa na última temporada para a Série A. Cosmi é um tático de mão cheia, amante de jazz e uma personalidade absolutamente rebelde, mas civilizado (a não ser pela cara de herói de ‘mangá’).
A sua Udinese se armará no 3-5-2, com variação para o 3-4-1-2, onde Natali, Felipe e Bertotto fazem a primeira linha (atenção no brasileiro Felipe, excelente central), Obodo e Vidigal são os alicerces do meio-campo, a sustento de Di Natale ou Pinzi, Iaquinta e Di Michele. Cosmi gosta de times que usem muito as laterais e atacantes de velocidade.
Perspectivas? A Udinese pode perfeitamente eliminar o Sporting Lisboa e chegar à fase de grupo da Liga dos Campeões, mas passar as oitavas-de-finais já seria exigir demais. O grande risco é a Udinese se extenuar pela Liga dos Campeões e ir mal no campeonato italiano. A classificação européia para a LC não é meta para todo ano. No ano que vem, se estiver na Uefa, já está excelente.
Sampdoria
Estádio: Luigi Ferraris “Marassi” (41.917 lugares)
Técnico: Walter Novellino
Estrela: Flachi (atacante)
Fique de olho: Dalla Bona (meio-campista)
Quem chegou: Dalla Bona (Milan), Borriello (Reggina), Zauli (Palermo), Bazzani (Lazio), Sala (Atalanta), Pagano (Atalanta) e Colombo (Livorno)
Quem saiu: Simone Inzaghi (Lazio), Gasbarroni (Palermo) e Turci (rescisão de contrato).
Pretensão: vaga na Liga dos Campeões.
No começo desta temporada, a Samp era dada por muitos como a favorita à quarta vaga na Liga dos Campeões. Tinha (e tem) um elenco bom, um treinador de nível e uma cidade com força para empurrar o clube rumo a conquistas relevantes – ainda que não como protagonista. As coisas não mudaram muito, com a exceção de que o Palermo (que se reforço com mais empenho que a Samp) talvez ocupe agora a vaga de ‘pretendente-à-quarta-força’ da Itália.
Novellino acabou de perder o goleiro Turci, que rescindiu o contrato, e o atacante Bazzani (lesão nos ligamentos). O time ainda é bastante bom, com um 4-4-2 sólido, calcado numa zaga sólida (Sala e Castellini) e um miolo de meio-campo de excelente passe (Volpi e Dalla Bona). Nos alas Diana e Tonetto reside a segurança da defesa Doriana, uma vez que os dois são defensores de origem. Flachi é o atacante titular, com a outra vaga em aberto.
A vaga na Liga dos Campeões é viável? É, ainda que a luta com Palermo, Roma e Udinese seja dura – pelo menos no papel. Novellino é um técnico sagaz e seu time já tem uma boa experiência. Se não tiver mais contusões, pode ser um belo incômodo.
– Tradicionalmente, a listagem dos clubes segue uma ordem alfabética. Nesta temporada, contudo, como ainda há bastante incerteza sobre qual a lista final dos vinte clubes participantes, o preview seguirá a ordem de classificação da última temporada.
– Façamos aqui um ‘brief’ sobre quais acusações os clubes com ‘risco de rebaixamento’ lidam.
– Genoa: fraude esportiva pela compra de um jogo com o Venezia: rebaixado à C1 com punição para diretores.
– Messina: débito não negociado com o fisco e conseqüente desinscrição do campeonato: provável rebaixamento ás divisões inferiores.
– Torino: : débito não negociado com o fisco e conseqüente desinscrição do campeonato: prováveel rebaixamento á Série B porque seria beneficiada de um recurso legal para o qual o Messina não tem direito.
– Perugia e Salernitana: : débito não negociado com o fisco e conseqüente desinscrição do campeonato: provável rebaixamento ás divisões inferiores.
– Venezia: : débito não negociado com o fisco e conseqüente desinscrição do campeonato: clube ‘desapareceu’ por causa dos débitos, não sendo sujeito a nenhuma punição.
– Vários outros clubes têm denúncias contra si, como Bologna, Arezzo, Brescia e Reggina, mas nenhum argumento conclusivo foi exibido até então.
– A Atalanta anunciou que o atacante Bianchi está de saída; Parma ou Udine em seu destino.
– O Lecce anunciou a contratação do goleiro Benussi para ser o reserva de Sicignano.
– Na Bélgica, se dá como certa a contratação do zagueiro Kompany pelo Milan na temporada que vem. O jovem belga ficaria ainda este ano no Anderlecht.