Entrevista com Roberto Baggio: “O Brasil é futebol”

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0 Craque italiano chega aos 34 anos cotado para ir à Copa de 2002 e não acredita numa decadência do futebol brasileiro. “È insuperável”, disse.

No último verão europeu, quando Roberto Baggio deixou a Inter de Milão, após uma pausa de reflexão, sua ida para o modesto Brescia soava como um epitáfio. Afinal, a equipe lutava para não ser rebaixada. Mais do que isto, pretendia evitar o rebaixamento pelo segundo ano consecutivo – proeza que não conseguia desde a década de 60. Além disso, o pragmatismo dos treinadores pareciam ter vencido o jogador – especificamente o de Marcello Lippi, com quem teve diversos atritos na Inter de Milão.

Acreditando basicamente no treinador Carlo Mazzone, que prometeu a Baggio um esquema tático adequado, o campeão rumou para a Lombardia aos 33 anos. No final do campeonato, “Roby” tinha acrescido ao seu currículo mais um ano, 10 gols, a reverência de todo o país e a adoração da fanática torcida de Brescia, que o tem como um salvador. “Salvador? O termo me parece excessivo”, rebate com a modéstia de um budista (é a sua religião), o craque fã de Zico. “Os méritos e deméritos de uma equipe são de todos os jogadores.”

“Baggio? Se eu o conhecesse a mais tempo teria mais cabelo”, brinca o seu treinador no Brescia. Piadas à parte, imaginar Baggio, um “match-winner”, como ele mesmo define, na Copa está longe de ser um devaneio. Apesar da concorrência acirrada de nomes como Christian Vieri e Francesco Totti, seu futebol encantador e sua boa relação com o treinador da seleção italiana, Giovanni Trapattoni podem render ao mundo mais uma presença de Baggio numa Copa.

Terminada a bem-sucedida temporada do Brescia, Roberto Baggio falou sobre a atual geração de jogadores, a má fase do Brasil e sobre sua admiração por Ronaldo, jogador sobre o qual não tem dúvidas. “Na Copa, ele vai ser um dos destaques.”

Romário costuma dizer que a geração de hoje não tem o mesmo talento das anteriores e só por isso ele ainda consegue jogar. Você divide esta opinião? O talento ainda consegue vencer a força física?

Baggio: Na minha opinião, o futebol de hoje tem talento na mesma proporção que sempre. Não diria um, mas poderia citar vários jogadores que julgo talentosos: Totti (meia da Roma), Del Piero (atacante da Juventus), Vieri (atacante da Inter de Milão), Buffon (goleiro do Parma) e Nesta (zagueiro da Lazio) são alguns, mas há vários outros. Lembrar de outros craques que atuam hoje não é uma tarefa difícil e eles não ficam a dever em talento para ninguém das gerações precedentes.

Quem Roberto Baggio vê como possíveis protagonistas do Mundial de 2002?

Todos os italianos que eu citei estão certamente nesta lista. Além deles, Figo e Rui Costa (Portugal), Rivaldo (Brasil), Raúl (Espanha), Davids (Holanda) e Beckham (Inglaterra) também me vêm à mente.

E a surpresa? Qual jogador, na sua opinião, pode romper as expectativas?

A grande surpresa? Esperem só que meu amigo Ronaldo se recupere e todos verão – com uma vontade imensa de se superar e apagar a pausa pela contusão – quantas mágicas ele será capaz de fazer para encantar e entusiasmar as torcidas de todo o mundo.

 E entre as seleções? Quais irão à Ásia para brigar pela Copa?

Vejo França e Argentina muito bem. Porém, não deixaria de fora Inglaterra, Espanha, Holanda e sobretudo, o sempre surpreendente e talentosíssimo Brasil.

Sete anos atrás, depois de perder o pênalti na Copa dos Estados Unidos, uma copa em que você empurrou a Itália até o final, você esperava chegar à véspera do Mundial de 2002 como unanimidade e como maior artilheiro italiano do pós-guerra?

Baggio: Sinceramente, não. Mas também é verdade que sou um grande cabeça-dura e não seria um pênalti perdido – ainda que extraordinariamente importante – a prejudicar o prosseguimento de minha carreira.

A maioria de suas ausências no campo foi por causa de um “absolutismo” tático dos treinadores com quem você trabalhou. Isto cria alguma angústia ou expectativas em relação ao seu futuro com a seleção italiana? A “Azzurra” de Giovanni Trapattoni encanta você?

Baggio: Eu estaria angustiado com um treinador que não fosse Trapattoni. Isso porque o treinador “azzurro” de hoje me conhece bem demais a nível técnico e pessoal e além disso, tem um conhecimento de futebol imenso somado a uma grande abertura “mental.”

Se eu tivesse de definir o “Trap”, jamais seria como um “fundamentalista” tático. Ele não se deixa escravizar por esquemas nem fórmulas mirabolantes em busca de uma verdade absoluta.

Se Roberto Baggio tivesse nascido num país de tradição futebolística mais ofensiva, ele teria tido mais continuidade na seleção nacional? Você gostaria de ter jogado em ao lado de quem em uma destas seleções?

Provavelmente sim. Em um destes países não teria sido posto tanto em discussão. Quanto à questão de quem gostaria de ter tido como companheiro: infelizmente não foram de minhas gerações, mas sem dúvida respondo com o nome do gigante, divino Pelé e com o meu ídolo de juventude Zico (com quem tive a felicidade de fazer um dueto na partida de despedida de Franco Baresi)

De jogadores da minha geração, três fenômenos: Van Basten – um fora-de-série que sempre admirei – Romário e Ronaldo que, ainda que tenha tido a alegria de ter como companheiro, infelizmente foi por poucas vezes na Inter de Moratti Jr.

<b>Pelé.Net: Você assistiu ao filme “Todos os Corações do Mundo” ? No que você pensava no momento antes de subir ao campo para a final da Copa de 1994, quando estava lado a lado com Romário?

Baggio:</b> Pensava que seria uma partida duríssima. Depois, quando vi as imagens, pensei que seria difícil por um bom tempo conseguir dormir um sono tranqüilo sem pensar naquele pênalti que eu mandei às estrelas.

 Você conhece Romário? O que acha dele como jogador? Qual é o Romário mais temível: aquele de 1994 ou o de hoje?

 Romário é um dos maiores jogadores de todos os tempos. É um campeão de técnica e de personalidade. É um mestre mundial, talvez inalcançável, na arte da “espera” nas áreas dos adversários, da hora de dar o golpe fatal. Qual o Romário mais temível? Olha, ele é um jogador tão imprevisível que não ficaria surpreso se na próxima Copa ele fosse ainda mais decisivo e ameaçador do que em 1994.

 O futebol brasileiro não passa por um bom momento. Alguns dizem que foi superado por escolas como a argentina e a francesa. Você concorda com esta visão?

Não dá para negar que o seu futebol passa por um momento menos feliz, mas apostar numa crise longa é um engano. Todas as potências mundiais passam, de tempos em tempos, por uma crise similar. Eu sei do seguinte: nas competições relevantes, quando você pega o Brasil em quartas-de-final, semi-finais ou finais, você sempre vai ter de fazer contas e ficar apreensivo.

Além disso, pelo menos para mim, o Brasil é o futebol. Não tem como dissociar. Ainda que passando por um momento difícil, delicado, a escola brasileira continua a ser uma escola de um nível supremo, inatingível.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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