Champions League: Mourinho e os dragões da Cidade do Porto.

“Quem quer passar além do Borjador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.”
(O Mar Português – Fernando Pessoa)

Geralmente as figuras mitológicas dos dragões são mais associadas a culturas orientais e nórdicas. Entretanto, o imaginário popular das culturas católico-cristãs também se referem à figura do dragão, antagonizando com a imagem de São Jorge. “Os dragões” é a forma como se referem aos jogadores e torcedores do Futebol Clube do Porto, em Portugal.

O FC Porto entra em campo no Estádio do Dragão (Cidade do Porto/Portugal), nesta terça-feira pela segunda rodada da fase de grupos Champions League 2015/2016. O adversário é o britânico Chelsea, comandado por ninguém menos que o treinador lusitano José Mourinho. Bi-campeão da CL, o FC Porto teve em Mourinho o seu comandante na conquista do segundo troféu do torneio, na temporada 2003/2004.

Vivendo um início de temporada turbulento paralelamente, Mou tenta justificar os oito pontos obtidos em vinte e um possíveis em sete rodadas de Premier League inglesa, torneio no qual o Chelsea defende o título. Apesar do confronto continental envolver um time lusitano e um inglês, a imprensa espanhola observa atenta o entorno da partida, revivendo rivalidades anciãs da época das Grandes Navegações.

O FC Porto é conduzido desde a temporada passada pelo técnico espanhol Julien Lopetegui, que já comandou as seleções de base da Espanha. A principal aquisição dos portistas enquanto reforço para a temporada, é ninguém menos do que o goleiro espanhol Iker Casillas, antagonista de Mourinho em seus tempos de Real Madrid.

Trata-se de um contexto curioso onde até propostas táticas são inversamente antagônicas. Mourinho obteve sua estátua erguida no próprio Estádio do Dragão, edificando um FC Porto dotado de defesa intransponível e jogo pragmático, no passado.

Seu estilo se vê impresso num Chelsea atual mentalmente abalado e vai se contrapor a um Porto, que hoje se vale do estilo de jogo pautado pelo toque de bola do tiki-taka espanhol.

De encontro à Casillas.

Mourinho deixou o comando técnico do Real Madrid na metade de 2013 e Casillas por sua vez, sofreu as consequências da gestão do lusitano até o fim da última temporada. O periódico espanhol El País recordou o dia 20 de agosto de 2011, início da temporada 2011/2012, após a decisão da Supercopa espanhola entre os blancos e o Barcelona.

Na ocasião Mou enfiou um dedo no olho do então treinador (e já falecido) Tito Vilanova. Com os ânimos acirrados por Mou, Casillas telefonou para Xavi e Puyol, então líderes do Barcelona. O goleiro propôs pacificação e cessar de qualquer tipo de “rixa”, quando atletas de Madrid e Barça se encontrassem na seleção da Espanha.

O ato foi tomado enquanto “traição” pelo lusitano. O calvário de Casillas começou segundo o El País, quatro dias depois na decisão amistosa do Troféu Bernabéu, contra o Galatasaray. Todos os atletas relacionados entraram em campo, menos Casillas. O goleiro afirmou aos companheiros que estava sendo “castigado”, que Mourinho era “má pessoa” e que estava dividindo os vestiários.

Casillas foi além afirmando frontalmente ao treinador que cumpria suas ordens futebolísticas, mas não lhe alimentava nenhum tipo de afinidade. Solicitou o fim de reclamações da arbitragem, discursos desmedidos aos jornalistas ou qualquer tipo de provocação aos jogadores do Barça. Foi a ruptura definitiva para com Mou, que se via então endossado pela confiança da direção do clube (Florentino Peréz/José Angél Sánchez).

A imprensa espanhola critica o desdém da direção blanca para com a situação de Casillas entre 2011 e 2015, sendo que Mou deixara o clube em 2013. Funcionários do clube em Valdebebas relatam que Iker parecia sofrer um tipo de depressão, padecendo ainda das vaias proporcionadas pela própria torcida. Consequência direta da acusação de “traição”.

Reserva de Casillas entre 2000 e 2005, o ex-goleiro César Sanchéz afirmou não compreender as vaias a um ídolo recordista de títulos no clube merengue e capitão da seleção espanhola. Sanchéz compara a hostilidade da torcida blanca ao inverso do que viveu no futebol inglês, quando jogou pelo Tottenham Hotspur. “Quando jogava no Tottenham, aprendi com o público inglês que não há maneira melhor de mostrar respeito do que apoiar o atleta em momentos difíceis. Quando o jogador sente este carinho, entrega a vida. A vaia resulta em uma de duas coisas: ou ele se supera, ou ele se acaba.”

Atualmente a estada de Casillas no FC Porto é a melhor possível, tendo o goleiro sido recebido pelos torcedores dos dragões, como ídolo pleno. Restará saber como será o embate diante do homem que conduziu o clube em seu período mais glorioso. Mou conquistou duas Liga Sagres, uma Taça UEFA (atual Europa League) e uma CL, entre 2003 e 2004.

Bestas e dragões ocultos pelos abismos perigosos, assolavam a imaginação dos marinheiros e navegadores que desafiavam os oceanos. Isso na época em que portugueses e espanhóis buscavam o caminho das Índias. Se a alma não for pequena, tudo valerá a pena.

Imagem de Mourinho nos tempos de Porto cumprimentando o meia brasileiro Carlos Alberto: AFP.

Alexandre Kazuo
Alexandre Kazuo é blogueiro de futebol há mais de 10 anos. Ex-colaborador do Trivela (2006-2010) e ex-blogueiro do ESPN FC Brasil (Lyon). É mestre em filosofia contemporânea e também procura por cultura pop, punk/rock/metal. Twitter - @Immortal_Kazuo
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