No Brasil assim como qualquer coisa ligada ao rock, Lobão não é levado a sério. O gif do momento é a cara do mesmo estampada em posts de redes sociais dizendo que não apoia o atual governo, da atual presidenta filiada ao partido que está há 12 anos no poder. No ano passado, Lobão lançou o livro “Manifesto do Nada na Terra do Nunca” (ed. Nova Fronteira), o qual com certeza uma meia dúzia leu (eu incluso).
Sim, é aquele livro que ficou famoso por críticas feitas por Lobão ao Mano Brown do Racionais MC’s, que por sua vez se irritou. Depois de ler o livro, eu tive a impressão de que nem Mano Brown o leu, na época em que a polêmica começou, se não me falhe a memória, via “mimimi” de redes socais.
Num todo, Lobão em “Manifesto…” expõe memórias de alguém que tentou ser músico de rock em meio ao maldito e cafona cenário musical brasileiro. É um livro paralelo à sua autobiografia “50 anos a mil”. A “treta” com Brown, não era exatamente uma “diferença”, mas sim o relato da dificuldade que ele Lobão, teve em se aproximar de qualquer músico de rap.
Lobão afirma que foi mais fácil se tornar amigo de Chuck D (Public Enemy) via e-mail lá nos EUA, do que se aliar a algum “mano” brasileiro em nome da música independente. Os “manos” não confiavam em Lobão, porque segundo as palavras do próprio, ele é um “branquela” (sic). Acerca de qualquer tipo de interpretação segregacionista, a mesma fica por conta do leitor.
De uma conversa com Chuck D, herói dos rappers surgidos depois dele, surgiu a idéia da revista “Outra Coisa”, a qual lançava cd’s de artistas nacionais encartados em suas edições e de forma independente. Lembrem-se, lá no fim dos anos 90, Lobão foi pioneiro em lançar discos em bancas, assim driblando os grilhões da industria fonográfica brasileira e do “jabá”. “Jabá” era tipo de propina paga pelas gravadoras para que as grandes rádios fm tocassem musicas dos artistas de seu catálogo.
Envolvimento político.
De forma bem humorada, Lobão confessa seu “despolitizamento” em “Manifesto…”. Mais além diferencia de forma coerentíssima o “roquenrou” do Brasil e o rock n’ roll. Segundo Lobão o “roquenrou” brasileiro “açambarcou” detalhes, elementos, citações e inspirações “de esquerda”. O que na época musical de Lobão (anos 1980), era incoerente pois o “roquenrou”, em sua grande maioria, era produto da indústria musical brasileira, óbviamente capitalista.
Lobão é feliz em separar as coisas diferenciando o contexto do rock n’ roll nos EUA dos anos 1960 e 1970: “…no Primeiro Mundo era uma conduta antiestablishment, antissistema, um comportamento pacifista de hippie e sandinista de punk. Na verdade, na América, desde o movimento beatnik e a música folk de protesto, havia um sério engajamento de tendência socialista e anti-governo, principalmente depois do assassinato de John Kennedy, eclodindo em todo o seu esplendor na Guerra do Vietnã”. Porém Bob Dylan e Joan Baez nunca foram acusados lá, do “crime” de vender muitos discos.
Ouça A Vida é Doce.
Deixo bem claro nosso irônico uso dos termos “roquenrou” e rock n’ roll, para diferenciar, ok? Afora o rock, Lobão improvavelmente mostra um apuro acadêmico pautando todo “O Manifesto do Nada na Terra do Nunca” embasado em leituras acadêmicas recentes de Slavoj Zizek e Gilles Lipovetski, autores do âmbito sociológico. Entenda “de esquerda” tudo que você vê por aí em âmbito coloquial enquanto sinônimo de “PT”, “comunista”, “marxista”, “anti-capitalista”, “revolucionário”.
Em âmbito acadêmico hoje Karl Marx é mais estudado em sociologia do que em filosofia. E o acadêmico sério que estuda Marx não é marxista e sim “marxiano”. Disso poucos sabem, porque são disciplinas com cargas horárias mínimas na grade curricular educacional do ensino fundamental e médio, brasileiros.
Voltando ao rock, em meio à porralouquice juvenil do início de sua carreira nos anos 80, Lobão atacava o “establishment” que em âmbito político tinha a figura de José Sarney como presidente, na metade daquela década. Naquele período, o músico chegou a ser preso por 1 ano pelo “tráfico” de um galho de maconha e 0,8 miligrama de cocaína, fato que ele relata no capítulo 3 do livro.
O capítulo propõe uma coerente visão crítica da Comissão da Verdade. Ali Lobão toma sua prisão enquanto “arbitrária” e rememora companheiros de cela que sumiam da noite para o dia, com certeza, clandestinamente executados. O período que coincide com a prescrição da sua condenação, marca uma aproximação da parte do psiquiatra e então jovem político Roberto Freire, filiado ao PC do B (ou Partido Comunista do Brasil).
Um dos grandes intentos de Lobão neste livro é ressaltar que lá no início, seu envolvimento político se deu primeiramente com o PC do B e não com o PT.
(continua)
Bibliografia
LOBÃO. Manifesto do Nada na Terra do Nunca. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2013.