Congestionamento, desarme e contragolpe: a receita italiana

Quando Cesare Prandelli ouviu dos médicos da seleção italiana que Mario Balotelli estava for da competição, certamente se deu conta que perdeu um dos dois únicos jogadores capazes de conseguir definir uma partida sozinhos. Prandelli conhece futebol e já anunciou que a defesa italiana ganhará um zagueiro central a mais. Ele está certo: os italianos só têm chance para o jogo desta quinta se professarem o mantra fundamental do futebol italiano: baricentro baixo, meio-campo ocupado e contragolpe.

Tecnicamente, não há páreo para a Espanha entre as seleções assim como não há páreo para o Barcelona entre os clubes. Além de um time muito técnico em todas as posições (basta lembrar do primeiro gol de Jordi Alba contra a Nigéria), os espanhóis têm um controle de bola absurdamente eficiente, começando em Piqué e indo até o centroavante, mas dominados pelo excepcional Fàbregas e pelo geniais Xavi e Iniesta. Uma vez que a posse de bola fique com a Espanha, a Itália está liquidada – e também o Brasil, caso os campeões do mundo cheguem à final.

A escalação provável segundo a imprensa italiana monta uma defesa com dois jogadores que já atuaram pela lateral em algum momento (Barzagli e Chiellini) e Bonucci no meio, uma defesa toda juventina. A probabilidade maior é que Prandelli faça uma marcação por zona, como já fez com o Brasil, exigindo de Maggio um posicionamento mais defensivo que daria um quarto homem na prática. Mas em vez de quatro jogadores em linha, o mais provável é que a defesa se componha bem à italiana com três defensores à frente de um líbero que pegue a sobra. O quarto homem extra combina com o uso dos três atacantes espanhóis, que em maneira nenhuma podem ficar no mano-a-mano.

O segundo jogador genial o suficiente para definir a partida é Pirlo, que não atuou contra o Brasil. Numa tarde boa, Pirlo não tem como ser marcado porque recua o quanto for necessário para impostar o jogo, sugando a linha oponente para o campo italiano e deixando a presa como a Itália gosta: com o campo adversário despovoado para a atuação de um atacante externo e um central. Pirlo deve ser o homem com liberdade no meio-campo e Marchisio, Candreva e De Rossi devem dar combate ao meio-campo estelar da Espanha, onde Busquets é o anchorman dando liberdade a Xavi e Iniesta, dois monstros na hora de passar a bola.

A contusão de Balotelli é certamente dramática para Prandelli porque o milanista tem quase tudo para ser um atacante completo: técnica, velocidade, criatividade e força – mas ainda participa pouco do jogo numa atitude às vezes irritante. Sem ele, Gilardino deve ser o atacante solitário – o que dimensiona bem as chances da Itália. 'Gila' era veladamente criticado no Milan por desaparecer em jogos difíceis. E poucos adversários podem ser piores que a Espanha.

Gilardino dependerá da geometria de Pirlo e do fôlego de Giaccherini. Outro juventino da seleção, Giaccherini não só deve marcar as subidas dos laterais (como Arbeloa não sobe, deve ajudar Maggio a se ver com Alba), mas é a esperança de puxada de contragolpe num campo espanhol despovoado pelo centro de gravidade baixo que Pirlo consegue dar. O juventino é rápido o suficiente para atropelar Arbeloa e centrar a bola para Gilardino. Parece pouco, mas se fazendo de morta, a Itália coleciona escalpos de adversários muito melhores. O Brasil de 1982 que o diga.

A Itália tem uma única situação 'favorável' no jogo: o ataque espanhol. Fàbregas é excelente, mas na prática é um meio-campista que se aproxima da área e Pedro e Soldado não estão à altura dos colegas. A administração dos dois é a tarefa menos difícil que têm os defensores italianos, embora ambos já tenham decidido jogos e esteja longe de ser dois cones.

Tudo sugere uma vitória espanhola com folga. Esse cenário de aparente fragilidade é o mais freqüente nos sucessos italianos em competições internacionais. De qualquer modo, deve ser um belíssimo jogo. E tomara que nossos conterrâneos cearenses dêem a Sepp Blatter e aos membros da Fifa o tratamento que merecem, com muito barulho, faixas, xingação e civismo.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
Top