Galvão, MMA, insanidade e futebol

Os amigos podem ter notado que a freqüência dos posts neste blog diminuíram. Não foi somente uma questão de tempo – este anda escasso mesmo, mas é outra coisa. De algum tempo para cá, o futebol parece um tanto quanto sem vida. E não é só o futebol, onde ainda há gente que discute se o meia Douglas é ou não um craque, ou se Ronaldinho Gaúcho é ou não o mesmo jogador que era na Europa. Um exemplo indiscutível da insânia das pessoas de um modo geral é a evolução vulcânica da audiência do MMA, onde “lutadores” se deformam e se comparam aos gladiadores que se apresentavam no Teatro Flávio da Roma antiga. O desfile de ignorância e barbárie transformou-se numa coisa normal.

Há alguns anos, vendo a competição frenética por audiência na TV brasileira, um colega me disse. “Logo, alguém vai ter a ideia de voltarmos à Roma antiga e exibiremos lutas onde os gladiadores se matam ao vivo”. Meu amigo disse isso em tom de galhofa,  mas mal sabia ele que o caminho era esse mesmo. Não coincidentemente, Galvão Bueno, um símbolo supremo do momento atual, onde a lógica é “se paga bem, que mal tem”, guindado às transmissões de MMA que a Rede Globo comprou alijando a concorrência (o modus operandi habitual da emissora), criou o bordão Gladiadores do Terceiro Milênio.

A “celebração” de Galvão é somente adequada ao enésimo display de sua ignorância arrogante. A menção aos gladiadores faz com que o evento – que é, diga-se, provavelmente o maior sintoma da demência que acomete a sociedade atual – ganhe, na cabeça das pessoas mais ignorantes, uma aura mitológica. A ideia dos gladiadores traz à mente da maioria de nós, as imagens de filmes como Ben Hur, Gladiador e Spartacus, algo que envolve honradez, determinação e uma certa  masculinidade.

Mas o Coliseu não tem nada disso e a metáfora burra de Galvão Bueno refere-se a outra coisa, bem diferente. Apesar de ser um majestoso símbolo do poder da Roma dos imperadores, o Coliseu é um teatro de horrores, bem como os gladiadores. Estima-se que cerca de 1,5 milhão de pessoas tenham sido assassinadas lá no primeiro século após a sua construção- a maioria esmagadora de escravos trazidos das terras conquistadas, além de 6 milhões de animais. Quanto mais violenta era a morte, melhor, arrancando mais urros dos espectadores. Já naquela época, o importante era dar audiência. Para se ter uma ideia do horror que significou o Coliseu, em Auschwitz, o pesadelo moderno que foi o mais tenebroso dos campos de concentração nazistas,  também se estima que tenham sido 1,5 milhão e meio de mortos.

E o que tem a ver o futebol com o MMA? Nada. Diretamente, nada. Mas a sensação que eu, particularmente tenho é que esse vórtice de insanidade que faz com que um evento com “os gladiadores do terceiro milênio” vai além de imbecilidades como o MMA, um “esporte” em que remover a orelha do rival a sangue frio é um grande feito.. Se algo dá lucro (=audiência), então passa a ser “aceitável”. Se o dirigente de um clube é um ladrão sem caráter, mas o time dele é líder, então, tudo bem. Se um presidente (ou ex-presidente) está atolado até o pescoço com corrupção, mas o povo tem emprego e pode gastar em liquidificadores e viagens para Miami, então, tá valendo. Nada, absolutamente nada parece ser inaceitável.

Refazendo o link com o futebol: eu conecei a escrever sobre futebol porque realmente gosto disso. Para mim, mais legal do que ver meu time vencer era ver um grande campeonato, com campeonatos de alto nível técnico decididos nos detalhes, como o título da Lazio vencido graças a um temporal em Perugia, como a Liga dos Campeões que o Manchester tirou do Bayern com dois gols nos descontos ou coisas assim. Hoje, exceção feita ao Barcelona – única real fonte de deleite para os amantes do futebol – tudo parece meio cinzento. As melhores ligas do mundo viraram um festim de gastança – o time mais rico ganha. A imprensa decadente faz qualquer coisa para vender mais – até deixar de fazer o seu trabalho, transformando tudo num infotainment onde é proibido criticar com sensatez: ou aquele jogador é um novo Messi ou é um molusco. Basta ver as capas dos jornais de esporte para ver do que estou falando. Algumas delas só faltam vir com o apelo: “Torcedor, seu time é de fato o melhor. Não importa qual ele seja”. Isso sem falar no tanto que o meu grande barato, o Campeonato Italiano, se enterrou: um torneio de jogadores overpaid, com clubes falidos e enterrados em corrupção. Um retrato da Itália deixada pelo governo criminoso de Silvio Berlusconi.

Agora me diz: com MMA, Galvão, “Neymar é melhor que Messi” e outras bizarrices, dá vontade de escrever?

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Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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