Terceira estrela x DNA ofensivo

Em duas partidas, é muito difícil que um time consideravelmente pior vença um duelo. E assim foi com a trajetória do Santos na Libertadores e o Peixe chegou à final. Além da óbvia conclusão de que o Santos era melhor que seus rivais, a chegada alvinegra à final precisa servir para enterrar a bobagem que se gerou na Vila a respeito do “DNA ofensivo” do Santos. A chave para a terceira estrela não está no tal DNA, mas no equilíbrio tático e mental. O primeiro está encaminhado; o segundo, nem tanto.Domando o deslumbrado Neymar...Muricy Ramalho

Muricy – o melhor técnico do Brasil – não é (como já escrevi antes) um técnico de DNA ofensivo. Ele monta times que defendem e atacam. Foi demitido do São Paulo num ato de imbecilidade conduzido por um diretor e por resmungos de jogadores que não estavam à vontade com sua disciplina, mas é – e era – o melhor técnico do Brasil. Sua chegada à Vila foi fundamental para que o Santos passasse a ter uma defesa – nem é uma boa, mas é melhor que nada.

O instrumento para o fechamento do pátio de manobras que era a área à frente da zaga santista foi Adriano. Ele não é um jogador excelente, mas tem na disciplina uma virtude que deu ao time um controle mínimo na posse de bola. Antes de sua fixação, tudo era lindo quando Elano e Paulo Henrique partiam para o gol, trocando passes e arrancando elogios mas, quando a bola era recuperada pelo adversário, o Santos ficava à mercê do rival, sem saber qual era o papel de cada um para recuperar a protagonista do espetáculo – a bola. Hoje, perdida a bola, já há um rascunho de automatismo para a defesa se recompor. Na zaga também a mudança foi notória. Durval e Edu Dracena inexistiam antes da chegada do técnico. Edu é bom tecnicamente, mas não o suficiente para reger a defesa sozinho; Durval é bastante limitado, mas bem adestrado por Muricy, diminuiu a quantidade de erros, especialmente de posicionamento.

Há dois desafios táticos para o Santos resolver (e isso não significa que seja necessário resolver antes da final com o Peñarol). O primeiro é o atávico apoio dos laterais brasileiros, que dão ao time um empuxo extra, mas sistematicamente deixam a zaga em igualdade numérica. Muricy precisa conscientizar Jonathan e Léo ou Alex de sua sincronia. No São Paulo, ele jamais conseguiu e não à toa, recorreu à zaga com três homens, para que Jorge Wagner pudesse arquitetar as jogadas a partir da esquerda. O segundo desafio é o de engajar os atacantes no jogo sem a bola – algo difícil de se fazer tendo como estrela um menino deslumbrado de 18 anos. Técnica, Muricy têm disponível para isso.

O último desafio é psicológico, e envolve o próprio Muricy. Há uma pressão mental para que venha a vitória no torneio e ele mesmo se ressente desse peso. Quando o Santos não está comandando o marcador, sente falta de jogadores que acalmem os tantos meninos da Vila. Apesar de enfrentarem um time medíocre taticamente, o Santos deve ir a um dos alçapões mais vorazes do futebol sulamericano. Conter o ímpeto de definir o jogo e dar espaços é a chave para o sucesso nesta final. Em vez de tentar confirmar o indefinível DNA ofensivo, o Santos precisa seguir buscando o equilíbrio. Se o time der um espetáculo digno do time de Pelé e perder, jogadores e técnicos serão malhados como o Judas na praia do Gonzaga, inclusive pelos apologistas do tal DNA. Se for campeão com dois empates em jogos feios, o grupo se mitifica. Uma reflexão sobre isso pode ajudar na abordagem da final.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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