Mourinhite

“No ano que vem é melhor eles darem logo o título para o Barcelona”. O desabafo de Cristiano Ronaldo, logo após a eliminação do Real Madrid na semifinal da Liga dos Campeões, é um sintoma de uma doença que já tinha tido epidemias em Stamford Bridge e em San Siro. Nos dois focos anteriores, contudo, os sintomas da mesma tinham sido notados com menor freqüência, uma vez que lá, os infectados venciam mais (e por isso, exibiam menos esses sintomas). Trata-se da Mourinhite, a incapacidade crônica de saber perder, que causa negação, mal-estar, irritabilidade aguda e irresponsabilidade.

A parte da negação é a mais simples de constatar. Mesmo sem ter forçado o segundo gol, o Barcelona manteve a partida sob controle de uma forma tão explícita que chega a ser ridículo o chorinho de Cristiano Ronaldo, que mais uma vez, fraquejou quando tinha de dar um murro na mesa dentro de campo (errou 40% de seus passes, só para citar uma cas estatísticas). Sozinho, Xavi deu o equivalente a metade dos passes certos do Real Madrid; o Barça acertou 85% de seus passes, 16% a mais que o rival; cometeu um terço das faltas e chutou quatro vezes mais a gol. Estatísticas podem encobrir verdades, mas no caso do jogo de ontem basta escolher o critério e ver que o melhor foi o Barcelona.

O mal-estar é óbvio. Depois de um jogo no qual um time deu uma demonstração tão crassa de superioridade, qualquer resmungo do Real Madrid causa constrangimento. Houve um gol legal? Por mais paradoxal que seja, não interessa. Se o Barcelona apertasse o passo, teria feito outros. Erros de arbitragem acontecem e certamente, o árbitro belga De Bleckeere não entrou para operar o Real Madrid. Se assim, fosse, poderia ter dado o vermelho a Ricardo Carvalho e feito o Real terminar seu quarto jogo em cinco com um jogador a menos (fato que os negacionistas interpretarão como parcialidade na arbitragem, mas que não é difícil de entender num time que tem em Pepe Butcher seu jogador vital).

A irritabilidade aguda é um sintoma que se podia ver no rosto do astro português. Ronaldo é um fenômeno com a bola nos pés, mas não suporta situações de pressão. Nos quatro jogos, só conseguiu apresentar o que sabe (e certamente sabe muito) quando ainda tinha o tempo jogando ao seu favor. Assim como Ibrahimovic, o luso vai definhando conforme vai se dando conta de que é dele a responsabilidade. E ontem, coroou sua apresentação nota 5,5 com a queixa sobre o “poder” do Barcelona (como se ele jogasse no Getafe…).

A irresponsabilidade causada pela Mourinhite é um sintoma mais amplo. Se dá quando pessoas que têm projeção global por causa dos cargos que ocupam não se dão conta de que ao falar, podem criar um estado de tensão que coloca multidões em risco. O irresponsável presidente do Corinthians é um exemplo do mesmo sintoma da Mourinhite (embora não tenha o talento que o técnico português tem numa fração de cutícula). Nesses casos (e como Mourinho faz há semanas), o personagem em questão não percebe que pode causar uma tragédia pela tensão que põe nas situações (o episódio no qual o próprio Mourinho quase foi esfaqueado é um exemplo disso).

A leitura final dos quatro conforntos entre Real e Barça é simples. O Barça é melhor. Muito melhor. Mas o Real é um clube à altura e só por isso, já equilibra as coisas. O Real voltou a ser um time – um time que bate, joga feio, chora, late, mas um time, e isso é mérito de José Mourinho. Pena para ele que todos os pontos baixos do confornto – acusações, agressões, expulsões, dúvidas, mágoas, também tenham ido para a sua conta. Ele poderia estar sendo elogiado como o técnico que recolocou o Real em no caminho de poder disputar com o Barcelona em um ou dois anos, mas em vez disso, sai da temporada como o vilão que não sabe perder. As duas coisas são verdadeiras, mas a última é mais verdade que a primeira.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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