Mourinho é o melhor, mas sua pressão chegou ao limite

Ele é o melhor treinador de sua geração. A vantagem sobre a sua nêmese, Pep Guardiola, se dá pelo fato de que o catalão nasceu dentro do ambiente mais protegido possível, aquele em que cresceu como jogador. José Mourinho, pelo contrário, não só vai a ambientes inóspitos (como Inter e Real Madrid) e se põe à prova para montar times de futebol onde outros grandes falharam antes dele. É vitorioso também – mesmo com a curta carreira, já tem um sem número de títulos. Mesmo com tudo isso, o português é a antítese do esporte, em sua incapacidade atávica de aceitar a derrota. Seu último exploit, depois de praticamente ter sido eliminado da Liga dos Campeões, é mais um episódio que faz a audiência se cansar do seu teatro particular.

Sempre fui um admirador do trabalho de Mourinho porque nunca tentei unir numa mesma figura o personagem grosseiro egocêntrico e agressivo e o tático dispicplinador, obsessivo e professoral que comandava os times pelos quais passou. Me lembro de um jornalista brasileiro dizendo que era por causa de sua antipatia que “jamais torceria por um time de José Mourinho” e sempre achei a síntese de um erro que mistura anális e opinião num resultado que não tem função jornalística. Cabe a nós, jornalistas, analisar o trabalho que os profissionais do esporte apresentam. Nesse campo, Mourinho é um gigante.

Apesar do fluxo infinito de dinheiro nos clubes pelos quais passou. Mourinho sempre conseguiu montar times que jogavam como um todo. Quase sempre muito curtos, com os laterais jogando próximos dos externos de meio-campo (ou dos meio-campistas centrais), com os zagueiros se aproximando no mediano de interdição e com o atacante dando o primeiro combate na saída de bola adversária. Mourinho fez máquinas de jogar bola que coletaram títulos como frutas num pomar em época de colheita. Sua vaidade e ego, contudo, o empurraram cada vez mais para uma atividade mediática que também ajudava o time: quando o time estava em risco, ele criava alguma confusão e atraía a atenção sobre si, deixando os jogadores preocupados só com o jogo. Não era simpático, mas funciona. Quem espera a Madre Teresa à frente de times vencedores, deve se lembrar que a maioria dos técnicos de sucesso atraíam antipatias – de Telê a Muricy, de Alex Ferguson a Louis van Gaal.

O problema é que Mourinho foi se afeiçoando cada vez mais ao teatro, à exposição e à atenção que massageava seu ego. Ele sempre gostou de se personificar como vilão, até porque sabia que, depois de conquistar os títulos, toda a antipatia se dissolvia. Mas nos seus dois últimos clubes (Inter e Real), sua pressão mediática foi aumentando, conforme os times estavam pressionados. Quem se lembra da Inter de março de 2010 até a final da LC, há de se lembrar de como a agressividade do português atingiu picos inéditos, com acusações a árbitros, jogadores, técnicos, dirigentes, rivais, sem levar em consideração as conseqüências que isso pode ter junto à tensão das torcidas, mídia e jogadores. Contudo, a aposta de Mourinho, mais uma vez, deu certo. A Inter foi campeã (mesmo tendo um time mais fraco do que o Barcelona), e com a vitória, toda a tensão se dissipou e o português voltou a ser “simpático” aos olhos da maioria. Vencedores normalmente ganham esse “prêmio”.

Contudo, no Real, isso não bastou. Mourinho vem aumentando a pressão sobre tudo e todos desde o início da temporada. Acusa juízes de ajudarem a todos os outros (mas não critica erros que lhe sejam favoráveis, como o do pênalti inexistente de Daniel Alves em Marcelo no primeiro Real-Barça da semana retrasada), inclusive times menores como Deportivo e Málaga. Acusa técnicos rivais, como Guardiola, de pressionarem juízes (uma acusação curiosa, vinda de Mourinho), dirigentes e jogadores rivais, órgãos de imprensa (mais curioso ainda, critica até os ferrenhamente madridistas, como Marca e As) e até dirigentes de próprio Real. Mourinho é o principal responsável por ter criado uma animosidade insana em torno dos confrontos de Real e Barça. É por isso que ele teve sua explosão-mor após a derrota desta quarta.

Pepe não merecia ter sido expulso na quarta. Ele merece ser expulso em todas as oportunidades em que coloca os pés no gramado. Apesar de ser tecnicamente um bom jogador, já em seu semblante é possível verificar que ele não tem uma inteligência fantástica. Isso, aliado à pressão que Mourinho criou em torno do Real, transformou-o num açougueiro de primeira. Pepe tem sido responsável por entradas criminosas em todos os jogos do Real que eu vi na temporada. Mourinho explodiu ao ver Pepe expulso porque sentiu que sua única chance de ter uma temporada à altura estava indo por água abaixo. Agora, terá de perfazer um milagre em Barcelona, sem Pepe (que sujamente ou não, vinha conseguindo conter a mediana dos catalães), e com ele mesmo fora do banco de reservas. Doutra feita, seu ano de estreia no Real terá sido um fracasso incontestável, uma vez que a Copa do Rei tem quase o mesmo valor de um Campeonato Paulista (ou melhor, talvez 90% a mais, mas ainda é muito pouco.

O Real Madrid de Mourinho é um time excelente, muito melhor do que os antecessores de uma década, talvez, mas ainda não é páreo para o melhor Barcelona da história. A excelência de Mourinho como treinador precisa ganhar uma virtude com a derrota desta semifinal – a paciência. Não tenho dúvidas que, sem a pressão insana criada pelo técnico, o Real voltaria a ser campeão europeu nos próximos anos. O problema, é que como a animosidade é fundamental na estratégia de Mourinho para fazer times tão competitivos, fica a pergunta: o que ele deve fazer quando essa animosidade se exauriu enquanto recurso?

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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