Uma reflexão

Eu sei que não falta gente para fazer restrições ao trabalho do Paulo Cezar de Andrade Prado, cujo nome profissional é Paulinho e que tem um blog no qual não é exatamente a moderação a característica mais saliente. Mesmo sabendo disso e mesmo sem conhecê-lo pessoalmente, me intriga que ele seja mantido tão à margem da imprensa chamada de profissional. Sim, há premissas que permitem acusá-lo de fazer denúncias sem provas legais constituídas, suspeitas de calúnia, injúrua e difamação. Contudo, não vejo absolutamente nenhum meio de comunicação de porte se aproximar dos esforços que ele faz para fazer reportagem (sei lá com que recursos à sua disposição). Só por isso, já mereceria mais consideração do que tem hoje na grande mídia.

Não estou dizendo isso por uma razão especial. Quando ouvi falar de seu trabalho pela primeira vez há alguns anos, não dei tanta atenção porque de fato não é difícil montar um blog e começar a publicar qualquer coisa (verdade ou não). Também tive restrições à forma que ele normalmente adota em seus textos, cuja agressividade em muitos casos compromete a credibilidade dos fatos que ele aborda. Um conhecido que tinha tido contato com ele, certa vez, classificou-o como sendo “o Juca Kfouri sem Gardenal”. Não me consta que o Juca faça uso do referido barbitúrico (atenção aos nós-cegos: isso é uma piada), mas a metáfora era adequada para se entender o que meu amigo queria dizer. Paulinho mantém uma postura crítica constante e, talvez, esteja na forma a maior crítica que eu faça.

Também não acompanho seu trabalho no dia-a-dia para dizer que seu modus operandi seja adequado ou não. O que eu posso dizer é que ele acerta mais do que erra nos assuntos que aborda. Se ele fala de uma transação obscura de jogador, ela transparece mais cedo ou mais tarde como tal; se acusa um dirigente, de fato há indícios para tal (ainda que, como é justo mencionar, nem sempre haja provas concretas – embora crime de corrupção nem sempre deixe provas concretas); quando ele menciona uma saída de jogador, normalmente há fundamento. Enfim, a sua performance tem mais acertos que erros, ainda que eventualmente excessos acabem prejudicando a “imagem” do seu trabalho.

Paulinho tem, contudo, um mérito que certamente 98% dos repórteres esportivos não têm: uma combinação de obstinação (em alguns níveis, obsessão, até) e inquietude. 99% da reportagem esportiva no Brasil é feita em cima de assuntos fúteis que não levarão a nada (do tipo “Gladieber está com dores no tornozelo e não pega o Oeste” ou “a renovação de Fleimar está complicada”. No que tange à corrupção endêmica que de fato é o que dá as cartas no esporte (leia-se futebol, porque o Brasil trata somente de um esporte, com todas as outras competições tendo interesse sazonal), a reportagem é marginal (com raríssimas exceções) e quando explode um escândalo é porque um dos envolvidos na maracutaia resolveu vazar um documento para um jornal ou emissora que, por sua vez, publica-o com ares de grande reportagem. Não acho que um noticiário ‘denuncista’ seja legal para se ler, mas é necessário (jornalismo definitivamente não é falar só no que dá audiência).

Não sei se não seria o caso para uma publicação séria (sim, há algumas que têm gente séria e decente sim) avaliar se não vale a pena dar espaço para que Paulinho pudesse ter mais repercussão para seu trabalho. Mais importante do que isso seria submetê-lo à lapidação de um editor que pudesse conter seus rompantes mais viscerais e transformasse sua obstinação em um trabalho com mais contundência no que diz respeito à capacidade de transformação que uma denúncia bem documentada pode ter. Para quem tem restrições ao trabalho dele, sugiro que acompanhe o blog que ele mantém durante um determinado período e avalie o conteúdo (já disse, a forma pode definitivamente não agradar). Num universo de tantos jornalistas rasos, parciais e comprometidos com interesses individuais, a dissonância deve ser ouvida com atenção – ainda que ela seja desconfortável.

Este post foi motivado por conta de um post que o Paulinho fez. Se as pessoas que ele denuncia começam a apertar o cerco, eu não vou me furtar a apoiá-lo. Recomendo a leitura e a reflexão – mesmo para quem não gosta dele.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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