Udinese, suor e talento adequados sem gastança

Treinadores fazem diferença nos times. Não resta dúvida. O difícil é descobrir quando a melhora de rendimento vem por causa da coesão do time, força de vontade ou pelo dedo do técnico. Não é muito freqüente que as evoluções aconteçam por conta do treinador mas em alguns casos elas acontecem – mesmo quando ele não mexe no esquema profundamente.

A carreira de Francesco Guidolin é uma sequência de times bem armados. Em todos os times de sua passagem pelo Vicenza em diante (1994-1998), Guidolin primou por times que jogassem muito em cima da tática, mas se adaptando aos elencos que tinha. A única exceção foi o Palermo do maníaco Maurizio Zamparini. Sua Udinese da atual temporada é uma excelente mostra de evolução de um time sem adição de jogadores e com pequenas correções fruto de treinamentos e observação.AC Milan vs Udinese by Catatan Bola Photo Gallery

Guidolin normalmente gosta de fazer suas defesas jogarem com três homens. Com um sotaque muito italiano, sua herança da marcação individual com sobra também costuma pedir um playmaker baixo jogando à frente da defesa e um ‘trequartista’ atrás de um atacante em vez de uma dupla de ataque. Parte desses credos levaram à montagem do time que começou a Série A perdendo todas as quuatro primeiras partidas. Mesmo sem um regente diante da defesa (atua com dois homens que se alternam no papel, Inler e Asamoah), Guidolin escalou não um mas dois ‘trequartistas’ atrás do atacante Di Natale. Na escolha de um trio ofensivo, também estão reminiscências de um time fortíssimo da Udinese montado no 3-4-3 por Alberto Zaccheroni em 1997, onde Amoroso e Bierhoff (com Poggi ou Jorgensen) fizeram de Bierhoff o artilheiro daquele torneio.

O fracasso dos primeiros jogos tinha um componente físico, é verdade, mas sem um jogador de referência, a Udinese perdia-se na conclusão. Di Natale, um externo de meio-campo de origem, confundia-se com as inserções de Floro Flores e Sanchez e o time acabava sem alguém para tocar a bola nem alguém para prendê-la perto da área. Guidolin começou a imaginar uma saída que desse conta de bloquear as alas, ou pelo menos uma delas. Tirou o colombiano Cuadrado e postou o volante Pinzi na direita, ainda sem sucesso, mas o caminho era esse e ao realocar o versátil Isla, fechou o vazamento do setor.

A entropia ofensiva continuava e a saída para ela estava num nome que ainda dá calafrios nos palmeirenses. Outro colombiano, Armero, ganhou chance na esquerda. Armero foi mal-usado no Parque Antártica. Sua vocação ofensiva quase irresponsável dilacerou as defesas dos que tentaram escalá-lo lá, mas tivesse sido ele usado no ataque, teria tido outra história. Na Udinese, ganhou a vaga justamente pelo apoio que propicia na ala. Assim, Guidolin compensou o homem a menos na frente, deixando Alexis Sanchez (o starlet do próximo mercado, sem sombra de dúvida) com o papel de retornar à intermediária ofensiva e abrir o jogo próximo às laterais. A vaga que era de Floro Flores passou a mais um marcador, Pinzi, que com Inler e Asamoah fazem da Udinese um time difícil de bater.

O time do Friuli é o mais interessante deste campeonato sem ter tido grandes reforços. Parte disso é porque Di Natale , agora como único atacante fixo, está explorando sua verve de goleador e virou um centroavante, mas com muita velocidade e mobilidade. Armero e Isla se alternam na defesa, fechando o setor com quatro homens e dificultando a marcação. Sanchez, a revelação do campeonato, é responsável por atacar e ocupar espaços conforme necessário. O resultado tem sido um futebol vibrante sem a indecência provida pelos Abramovichs que tentam comprar o sucesso a qualquer custo. Contratar um bom técnico, jogadores indicados por ele e dar-lhe tempo ainda é o melhor modo de montar um bom time.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.

10 Comments

  1. E para não parecer que é uma coisa com corintianos: torcedores de outros times tb tendem a gostar de ex-craques de seus clubes. abs

  2. A questão do ex-jogador é simples: é um rosto conhecido. O corintiano (em geral) gosta do Neto dos tempos de Corinthians e por isso, tende a gostar dele como comentarista. Não se trata de uma análise do trabalho dele como comentarista e sim, um afeto passado. Abs 🙂 e obrigado, Boni.

  3. É verdade, mas infelizmente há uma ditadura de imagem e o público gosta de ex-jogador falando. É a chamada linguagem da autoridade, afinal “o cara esteve lá”
    Acho o Bertozzi comum, nada de mais. O que ele fala ateh eu falaria. PÕE UM CURRICULO NA REDE TV CASSIANO!!! 🙂

  4. É. Mas estou em boa companhia. O Arrigo Sacchi também nunca jogou e conhece um pouco de futebol. Como ele diz, “para ser jóquei, você não precisa ter sido um cavalo”. Abs

  5. Pesa tbm o fato do Cassiano nao ter sido jogador. O público respeita mais quando a análise parte de quem jogou.

  6. Grande analise! Sobre ‘Cassiano Goubet na tevê’, eu creio que poucos façam esse tipo de analise tática e ainda assim creio que a grande audiência de espectadores de tevê brasileira aberta não está preparada (ou sequer se interessa) por analises profundas.
    Abs

  7. O Mauro Beting me convidou para ir fazer isso na BandSports em 2005, mas eu estava no aeroporto indo morar na Inglaterra. Depois, as coisas acabaram não dando certo, creio eu. Mas se há bastante gente tosca na TV, também tem caras que eu respeito muito falando de futebol internacional, como o Gian Oddi, o Bertozzi, o PVC, etc. abs

  8. Esse time da Udinese é um time extremamante agradável de se ver. Um time que alguns chegaram a apontar como brigando contra o rebaixamento, hoje tem bola sim, pra até conseguir uma vaga na Liga dos Campeões.

    E pra mim, ver o Armero jogar bem na Udinese significa que não estou maluco, porque um amigo palmeirense metia o pau nele, e eu defendia ele, dizendo se tratar de um bom jogador, porém com veia totalmente ofensiva, e que num esquema com proteção, jogaria seu bom futebol.

  9. Cassiano

    me esclareça um mistério:

    Como é possível vc ainda nao ter sido chamado pra comentar as partidas do Calcio na TV? o problema é ‘QI’?

  10. Sem dúvida, inclusive um dos enigmas dessa temporada é ver Udinese e Palermo atrás da Lazio na tabela. Não tem comparação pela qualidade de jogo produzida pelos dois primeiros. Acho que aquele Hernanes inteiro das primeiras rodadas foi o diferencial, pois ele chegou 100% enquanto os outros jogadores estavam vindo de pre-season.

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