Da imoralidade e da responsabilidade

A confederação de um país tem laços estreitos com uma emissora de TV, para quem vendeu os direitos dos jogos da Seleção. Essa emissora coloca, juntamente com uma empresa de marketing esportivo, jogadores em um dos clubes desse país, a fim e aumentar a audiência dos jogos que ela própria detém (em detrimento dos outros clube, que são obviamente prejudicados). A confederação, por sua vez, manipula a organização de uma copa para fortalecer o poder de seu chefe, pagando o processo com dinheiro público, que rende dividendos para um segundo clube, que ganha um estádio. Algum patife pode alegar que isso não é ilegal. Talvez a asserção esteja correta. Mas se não é ilegal, a lei está errada, e a lei desse país é imoral – assim como o comportamento dos envolvidos.

O processo de “racha” do Clube dos 13 é imoral. A ida de Ronaldinho Gaúcho para o Flamengo  para atender interesses que não somente os dele e do Flamengo é imoral. A atuação de empresas que são parceiras de vários clubes é imoral. O jogo de Andres Sanchez para fortalecer a CBF (e tirar os dividendos no processo) é imoral. A falta de lisura na venda dos direitos de TV do Brasileirão é imoral. Não é de hoje que o futebol carrega a imoralidade em seu DNA, mas em raras oportunidades ele foi tão descarado. A observação imemorial de Rui Barbosa, que desenha bem a parte nefasta do caráter brasileiro, do “jeitinho” e da “esperteza”, “o homem ri da honra e tem vergonha de ser honesto”, ganhou pela enésima vez um verniz de modernidade com o modus operandi dessa organização.

O fato é que não estamos mais vendo, como previsto, somente um assalto aos cofres públicos com a construção de estádios caros e inúteis pelo governo – como se isso fosse pouco. O que está se assistindo é a montagem de um esquema corrupto e cuja validade vai muito além dos três próximos anos. Os envolvidos na conta estão preparando um estupro permanente do futebol brasileiro. Não é possível se calar.

Sinto que nos próximos capítulos, a imprensa de um modo geral deve se comportar de maneira leniente. Parte, porque alguns dos veículos estarão ganhando sua cota no processo; parte porque jornalistas estarão ganhando no processo; parte, porque jornalistas terão medo de colocar seus cargos em risco para fazer o que a profissão os obrigaria a fazer – dizer a verdade. Normalmente – e com razão – uma das maneiras de se criticar ex-jogadores com microfone em punho é alardear que eles não são jornalistas e sim, ex-jogadores. Fico pensando agora qual será a classificação que teremos de dar aos com microfone em punho que nem ex-jogadores não foram, mas assim mesmo, não cumprem seus papeis. Torço para que os colegas que admiro tenham um mínimo de respeito pelos seus diplomas.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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