As diferenças entre o Olímpico de Londres e o Itaquerão

A decisão da entidade responsável pelo legado olímpico na Inglaterra (imagine se no Brasil temos algo parecido) decidiu que a proposta do West Ham é a melhor para ser o “dono” pelos próximos 20 anos do complexo que está sendo levantado pela Inglaterra pelas Olimpíadas. É praticamente uma formalidade que indica que o West Ham terá o estádio pelas próximas duas décadas. Mas ao contrário da vergonha da doação de um estádio para o Corinthians (além de muitas outras menos aviltantes pelo país), é uma clara demonstração como em termos de cidadania e evolução das instituições, o Brasil está longe da posição de liderança que pleiteia. Ainda estamos mais próximos do terceiro mundo do que do mundo desenvolvido.

Vejamos: o West Ham não “ganhará” o estádio – apenas o gerenciará por 20 anos, sob uma série de condições. O clubeinglês terá de manter o complexo aberto para atividades da comunidade e de esporte de alto nível (ou seja, investimento em estímulo à base e ao profissional). O West Ham se encarregará de uma série de despesas e se comprometeu a reabrir o estádio após as Olimpíadas no menor tempo possível. Pista de atletismo e instalações de outros esportes olímpicos serão mantidos e em duas décadas, o governo pode tirar o estádio do West Ham caso haja mau gerenciamento. Ah, claro, o projeto do estádio levou mais de dois anos sendo feito e atente todas as especificações exigidas pelas entidades responsáveis pelos torneios que lá serão realizados.

É exatamente o oposto do que se propõe no “Itaquerão”. Trata-se de um estádio de custo previsto de R$520 milhões (mas que previsões mais realistas apontam chegar a pelo menos o dobro), para três partidas da Copa do Mundo. Não se sabe de onde virá o dinheiro (ou melhor, imagina-se, mas certamente não do clube). É um estádio de futebol (não serve ´para estímulo de atividades da comunidade nem de esporte amador) e que será de propriedade do clube para sempre. Isso tudo num projeto que parece ter sido feito em algum “Projetator Tabajara”, dada a quantidade de desacordos com as exigências da Fifa. Em suma: um acinte e um ataque ao dinheiro público.

Todos os argumentos que a imprensa engole em relação ao financiamento do estádio de Itaquera são vergonhosos. Ninguém se opõe publicamente a ele (ou quase ninguém) porque há receio de antipatia por parte da torcida corintiana, mas fora das câmeras, a quantidade de opositores é muito maior. Nem que o Corinthians pertencesse a Eike Batista ou a outro gênio financeiro conseguiria levantar os valores sugeridos com venda de “naming rights” ou patrocínios. Como é certo que a empreiteira que se propôs a fazer o estádio não fará a doação de meio bilhão de reais, não é necessário fazer grandes elocubrações para se chegar à conclusão que o projeto nasce sob a égide sórdida da tradição política mais clientelista e nojenta.

O poder público não deveria nem poderia colocar dinheiro em qualquer projeto privado. Modernizações em estádios públicos já são muito questionáveis, mas o apoio a obras de obras que depois beneficiarão entidades privadas é motivo de vergonha. Na Inglaterra, não resta dúvida que há corrupção e malversação de dinheiro como em qualquer lugar do mundo. Contudo, a sociedade toma as medidas possíveis para contê-la. No Brasil, quando se trata de dar uma rasteira no patrimônio público, tudo passa a ser válido. A comparação da gestão dos dois estádios é simbólica no que diz respeito a uma metáfora de comparação entre Brasil e Inglaterra. Exatamente por evocar a Síndrome de Vira-Lata rodrigueana é que o acinte do Itaquerão é um episódio que não tem espaço no Brasil que o Brasil quer ser.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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