Eternas discussões de fim de liga

Eu acredito que um dia, conseguiremos fazer polêmicas menos burras do que as de hoje em dia no Brasil. Conseguiremos entender que para São Paulo e Palmeiras, os campeonatos estavam acabados antes do jogo com o Fluminense. Conseguiremos entender que o formato de pontos corridos pode não ser ideal, mas é melhor do que a aberração anterior. Conseguiremos entender que se os melhores jogadores não atuam aqui, não tem como a nossa ser a melhor liga (o que é completamente diferente de dizer que devemos gostar mais de outra liga ou que essa não possa ser a mais emocionante). O que cansa na cobertura esportiva brasileira, tanto quanto os gritantes desvios éticos – vide arbitragem guiada, presidentes de clubes recebendo favores da federação, escolha de sedes da Copa risíveis como Cuiabá, Brasília e Manaus – é a falta de diferenciação entre o que é opinião e o que é fato.

Hoje (e na semana passada) muita gente séria – como por exemplo o Juca Kfouri – defendeu com ardor sua repulsa à“entrega” de resultado por parte de São Paulo e Palmeiras. É difícil negar que os dois times jogaram com motivação dizimada, mas em outras ligas, a mesma coisa acontece. Não faltam exemplos de jogos onde um dos times entrou em campo “sem alma”: Cagliari 2 x 1 Internazionale (2009), Barcelona 0 x 1 Osasuña (2009), Real Madrid 1 x 3 Mallorca (2009), Moenchengladbach 1 x 1 Bayern (2009), Burnley 4 x 2 Tottenham (2010), Middlesbrough 8 x 1 Manchester City (2008), Metz 1 x 0 PSG (2006). Todos esses resultados rolaram nas duas últimas rodadas de seus torneios. Disputar uma partida sem que ela valha nada – ou muito pouco – leva a um relaxamento. Dos 380 jogos de uma liga com 20 clubes, ter meia dúzia deles que aconteça sem o mesmo ímpeto é uma taxa bem considerável.

Uma outra coisa em relação às reclamações “antientrega” foi levantada pelo Maurício Noriega. Os times que reclamam agora da falta de empenho de seus adversários  não se recordam que começaram a disputa do Brasileiro poupando jogadores para outras competições. Aí, o problema não é a falta de empenho do São Paulo para dar um título ao Corinthians e sim a falta de consciência de que a 1a. e a última partida têm exatamente o mesmo valor: três pontos.

Uma matéria do UOL sugere que mais da metade dos times entrarão em campo na última rodada sem interesse algum. Isso é nitidamente enxergar o copo meio vazio. Vê-lo meio cheio seria dizer que mesmo na última rodada, 6 dos 10 confrontos ainda valem a pena de ser assistidos. Se a Copa Sulamericana fosse levada mais a sério pela Conmebol (e a partir da temporada que vem, quando valerá – desde o início – uma vaga para a Libertadores), poderia ampliar o interesse.

O Brasileiro está melhorando. Ainda está a distante mesmo de ligas menos badaladas da Europa, como a Francesa ou a Alemã (favor não confundir torneio “emocionante” ou “que eu mais gosto” com melhor nível técnico), mas está melhorando. Os clubes estão dificultando mais a saída dos craques, os públicos estão crescendo, outras emissoras ameaçam a Globo para a compra dos direitos de transmissão (o que tende a aumentar a renda e competitividade dos torneios) e quatro ou cinco clubes (que devem consolidar a nova elite do futebol brasileiro) vão se organizando melhor. Sim, é preciso aguardar o fim do reinado de Ricardo Teixeira na CBF, ter um tribunal esportivo aceitável, uma comissão de arbitragem que gere menos desconfiança, etc,etc. Mas as coisas vão melhorando. Eu torço para que, no ano que vem, tenhamos um campeão digno do nome, com pelo menos cerca de 70% de aproveitamento e que faça com que as pessoas parem de pensar minhoca à toa.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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