A trilha interista pós-Mourinho

No post anterior, eu disse que a Inter não vai se reerguer rapidamente. Não vai (salvo uma demonstração de caráter mourinhiana). Dos principais jogadores da Inter de Mourinho – Júlio César, Maicon, Lúcio, Chivu, Samuel, Cambiasso, Javier Zanetti, Sneijder e Eto’o – só Sneijder e Eto’o são consideravelmente acima da média.

Os brasileiros dependiam demais do esquema de Mourinho para demonstrarem suas virtudes indiscutíveis. Não? Quando Mourinho chegou à Inter e disse que Júlio César era o melhor do mundo, quase foi motivo de piada (ele dizia isso de Cech no Chelsea), mas à sua saída, não havia um goleiro em melhor forma. A mesma coisa se pode dizer de Maicon e Lúcio, que provavelmente fez sua melhor temporada no ano passado.As Roma 2 vs Inter Milan 1  27/3/2010 by ღ Robin Hood™ ღ

A defesa do português começava nos dois apoiadores do ataque, usualmente dois atacantes que jogavam na intermediária adversária, iniciando o combate da saída de bola. Essa marcação dava tempo à Inter de sempre estar com a zaga arrumada, com um defensor na sobra, os volantes dando combate ao último meia e ao primeiro atacante, com Lúcio jantando as canelas do centroavante. Além de Maicon, Júlio e Lúcio estarem psicologicamente drenados, não têm mais a monolítica Inter à sua volta. Dificilmente renderão em curto espaço de tempo o que já renderam. São ótimos jogadores que renderam mais do que podiam graças à inserção no esquema e ao talento de Mourinho para tirar seu sangue (vale lembrar que Carlos Alberto – sim esse aí – sob sua batuta era um dos melhores meio-campistas da Europa no Porto).

O processo de recomposição interista é mais complexo do que o juventino ou milanista, por exemplo. A banda azul de Milão tem uma estrutura burocrática fragmentada na qual há vários focos de poder que impediram inúmeros treinadores de vingar. Mourinho os uniu com uma gesto inclemente e cruel – à força. O próximo técnico da Inter (Rafa Benitez parece carta fora do baralho) herdará a mesma herança maldita que ele deixou no Porto e no Chelsea (onde Co Adriaanse e Scolari foram algemados por grupinhos de jogadores e um elenco massacrado fisicamente).

Um bom gestor aproveitaria a entressafra para vender os jogadores mais valorizados (Eto’o, Sneijder, Maicon), se desfazer de atletas cuja história tende a declinar no clube (Samuel, Zanetti e o infame Materazzi, cujo declínio vem de uns quinze anos) e montar um elenco visando um time pronto em duas-três temporadas. Contudo, Massimo Moratti não é um bom gestor  – é um torcedor sfegatato – tentará manter o bonde andando com Leonardo, Spaletti ou outro. Se for essa a trilha, a chance de dar certo é similar à chance de Materazzi se transformar em Paolo Maldini.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.

18 Comments

  1. Lenha para queimar eu tb acho que tenham. Não sei se eles têm é apego ao clube para continuar – nenhum deles. Concordo com o resto. abs

  2. Cassiano,
    Nada melhor do que uma boa conversa para percebermos que nossos pontos de vista são relativamente parecidos. O ciclo de Zanetti, Córdoba e Materazzi já está mesmo encerrado. Lúcio, Samuel e Milito ainda tem gás para duas ou três temporadas, mas é hora de pensar em reposição. Júlio César, Chivu, Motta, Cambiasso, Sneijder e Eto’o tem mais lenha para queimar e fazer valer a iniciativa de renovação de contrato. Quanto a Maicon – orientado por ninguém menos que Mino Raiola – deve definir seu futuro até o fim desta temporada. Completará 30 anos em julho de 2011 e depende muito de seu físico para render bem. Se houver uma boa proposta, dá pra vender sem traumas.
    Abraços.

  3. Michel, lembre-se que o Sneijder ainda não renovou e sua saída não seria por um valor astronômico. Esses caras que vc citou do Milan não faziam parte da espinha dorsal do Milan – nenhum deles. Todos os outros que vc mencionou (as múmias) chegaram depois do título de 2007 (exceção feita ao Vieri). Verdade que o Kaká arrastou o time, mas naquela temporada, o Milan ainda teve outros jogadores arrebentando como Gattuso, o Seedorf (que no jogo com o Manchester comeu a bola), Nesta, Maldini, Inzaghi. De fato, após o título, como eu já disse, era um ciclo acabado. Finalizando, opinião vc pode ter a sua oposta à minha. Eu mantenho que a espinha dorsal dessa Inter (os interistas históricos do ciclo pós-Calciopoli) deram o que tinham de dar – Zanetti, Córdoba, Samuel, Materazzi. Faço uma exceção ao Cambiasso. Outra leva está estafada – Sneijder, Maicon, Milito, Eto’o, Lúcio, Júlio César – e levará algum tempo até se recuperar. Tempo esse que pode ser fatal para o Benitez (depende do modo como o Moratti ler a situação). A sorte só não está definida porque o nível da Série A despencou após 2006 e mesmo com a recente evolução de Milan e Juve, a Inter ainda é o clube mais sólido economicamente. Abs

  4. Cassiano,
    Assim como você, também não dou trela para meu lado torcedor no momento de avaliar a situação do time. Pelo contrário, muitas vezes acho que sou mais duro do que deveria, como, por exemplo, no início da temporada passada quando Mourinho ainda não tinha achado o equilíbrio do seu 4-2-3-1.
    Sobre Sneijder, até acredito que ele possa aceitar uma proposta se Moratti também dizer sim. No entanto, acho que o United não tem bala na agulha neste momento. Os Glazers acabaram de saldar boa parte da dívida do clube e até a especulada proposta por Bale não deve acontecer.
    Quanto ao Milan de 2005, falava de gente como Costacurta, Pancaro, Cafu e outros. Realmente havia nomes importantes em bom estado, mas a chegada de múmias como Vieri, Emerson, Ronaldo e Sheva (voltando do Chelsea) praticamente não serviram para nada. O título de 2007 – 50% creditado a um Kaká em estado de graça – só serviu para nublar a situação, uma vez que o desempenho na Serie A foi sofrível.

  5. Caro, a fé rossonera até pode tentar, mas não dou trela para ela. 🙂 Depois de 2005, eu achava que o ciclo ainda não tinha acabado porque os principais jogadores (kakà, Pirlo, Gattuso, Inzaghi, Shevchenko) ainda tinham fôlego e lembremos-nos que o Milan estava importando Gilardino, Gourcuff, tinha acabado de tentar repatriar Crespo. Não era pouco. Creio que eu estava certo, pois aquele time ainda venceu uma UCL . Depois disso, de fato, o ciclo estava encerrado. No caso da Inter, leve em consideração a dificuldade interna do clube, que é menos organizado que o Milan e Juve. Não é só o Maicon que quer sair. O Sneijder não vai recusar uma oferta do Manchester United se recebê-la (ele é um profissional aparenetemente decente e não pedirá para sair, mas se a proposta for aceita pela Inter ele sai). A mesma coisa eu acho do Júlio César. Outros bons jogadores da Inter, como Cambiasso, Pandev, Coutinho não terao todo esse assédio. Os indícios de desmantelamento começaram com a saída do Mourinho (que não foi embora à toa). Ainda fazendo a comparação com o time milanista campeão europeu em 2003, na temporada seguinte, ninguém saiu e ainda chegou Kaká. Se o Benitez for mantido e tiver 2-3 reforços de peso (um zagueiro, que deve ser o Ranocchia, um atacante e um lateral), Moratti daria um grande passo para reformular a Inter. O que se diz na Itália é que Benitez não fica. Há resistências a ele no elenco, segundo se diz e depois do gol do Twente, o time não comemorou com ele (o que nesse momento, ajudaria a desfazer as dúvidas).

  6. Voltando com mais tempo agora. Estava com tanta pressa ontem que nem revisei meu texto…
    Sobre a “leitura apocalíptica”, não me referia a rebaixamento, mas a visão de que serão necessárias duas ou três temporadas para recolocar o time nos trilhos.
    Quanto a Benítez, creio que o ideal é pesar a temporada toda antes de se pensar em demissão. No entanto, existem indícios de que as coisas podem se tornar insustentáveis se a avalanche de lesões não passar logo e os resultados não começarem a aparecer.
    Quanto ao fim do ciclo, eu vejo diferente. Dentro de uma normalidade (leia-se, fim desse turbilhão) acredito ser possível trocar os atletas com idade mais avançada ou que desejam sair (basicamente, Maicon e Muntari) sem provocar muitos distúrbios na base do time.
    Curiosamente, vivemos o lado inverso dessa tese há cinco anos, Cassiano. Não sei se você se lembra, mas, ao final da temporada 2004/5, eu insisti que o ciclo daquele Milan havia acabado (o que acabou se confirmando depois apesar da UCL 2007), mas você não pensava assim.
    Efeito de uma “fé rossonera” talvez? 🙂

    Abraços.

  7. Seria loucura, mas o ponto é que o Massimo Moratti não quer aceitar que a onipresença interista está perto do fim. Milan e Juve estão voltando e a Inter é um clube administrativamente mais complicado. Ele deve comprar dois ou três jogadores em janeiro, mas não sei se terá o sangue frio para manter o que tem de manter (Benitez e alguns jogadores, novos métodos de treinamento, etc) e mudar o que tem de mudar (demitir gente administrativa como o Branca, jogadores como Materazzi, Rivas, Mancini, etc). Não se trata de loucura simples. É loucura de torcedor que pode levar a isso. abs

  8. Entendo a sua opinião (especialmente de fé nerazzurra), mas não se trata de leitura apocalíptica. Não disse que a Inter vai ser rebaixada. É o fim de um ciclo – o ciclo sem competidores na Itália, o ciclo de Mourinho, o ciclo de vários jogadores importantes nos últimos anos. Acho que a Inter tem um elenco no nível de lutar pelo título, mas se desconcentrou emocionalmente. Maicon, Lúcio, Júlio César, Sneijder e Eto’o fizeram temporadas gigantescas no último ano e isso consome fisica e mentalmente. Sobre o Benitez sair, a opinião nem é minha, é a do Enzo Palladini, na Folha. Vários outros colegas italianos concordam. A vitória em cima do Twente adia as coisas. O Benitez é competente para montar um time, mas é preciso que se de tempo a ele. Se ele tiver esse tempo, fará um bom trabalho, mas a tendência é que não tenha. Quanto às vendas, não quis dizer vender Maicon, Sneijder e Eto’o – juntos – mas capitalizar em cima de pelo menos um deles. Eu venderia o Maicon sim porque não creio que ele repetirá as duas últimas temporadas. O Sneijder é, para mim, o melhor do mundo na posição dele. Os três juntos, sim, claro, seria loucura. abs

  9. Se a Inter tivesse perdido ontem, teria sim. Agora, com o jogo com o Twente encerrado, parece que não. abs

  10. As duas melhores temporadas dos três – de muito longe – foram com o Mourinho. Se eles são tão bons assim, recuperarão seu futebol sozinhos. Veremos. abs

  11. Júlio César, Maicon e Lúcio estão entre os melhores do mundo em suas respectivas posições e não dependem de esquema ou apoio psicológico/motivacional de nenhum treinador. Então Zanetti, Cambiasso e Milito não precisam?

  12. Na lista de vendas, venderia somente o Maicon, que claramente na temporada passada jogou acima de suas qualidades, e pelo erro de não te-lo negociado logo em julho, tendo agora um jogador insatisfeito e com rendimento muito baixo.

    Nas demais considerações, é por ai como você disse, um jogador como o Materazzi já era pra ter saído há tempos, e a Inter poderia começar a valorizar alguns jovens, para ter um elenco mais rejuvenecido.

    Essa é uma temporada bastante dificil, primeiro porque o time entra com uma exigência elevadíssima, por ter ganho tudo, segundo pela transição de treinador, e terceiro pelas inúmeras lesões.

  13. Só um detalhe, A Inter está em segundo 5 pontos acima do Twente. Acho que não dá pra dizer que teve a classificação ameaçada.

  14. Eu acho loucura demitir o Benítez agora. Todos esses rumores só ajudam a complicar a situação e a deixar o time menos tranquilo. Tá certo que a Inter tem muitas lesões e que o Rafa Benítez ainda não sabe o que fazer com Eto’o e Milito juntos, mas se classificou em primeiro na champions league e só tá a três pontos do top 4 italiano. Não dá pra esperar que a Inter ganhe a Serie A sempre.

  15. Discordo bastante de sua leitura (meio apocalíptica a meu ver), Cassiano. É certo que Benítez errou quase tudo o que promoveu e que sua saída parece ser questão de tempo, mas não acredito que o trem interista tenha descarrilhado de maneira tem irreversível a ponto de serem necessárias duas/três temporadas para acertar o time. Além disso, desfazer se nomes como Maicon, Sneijder e Eto’o seria o mesmo que assinar um atestado de loucura, uma vez que o trio faz parte da espinha dorsal do time por, pelo menos, mais três temporadas. A saída do lateral até faria sentido numa eventual proposta milionária somada à insatisfação do mesmo. A dos outros dois não. Aliás, não faz sentido.
    Abraços.

  16. A minha maior surpresa quando pude ver a atual Inter pela primeira vez esta temporada, na partida contra o Atlético de Madri, pela Suercopa, foi perceber o quão alta estava a defesa. Como boa parte dos caras escalados (Lúcio, Samuel e Chivu) não prima pela velocidade, e o ataque não estava mais fornecendo aquele impressionante suporte aos defensores que vi na partida de volta da semifinal da última CL, achei uma tática meio temerária.

    Apesar dos percalços, meu voto para o melhor da temporada europeia foi para o Eto’o.

    E já ouço há três semanas o boato de que o Maicon será negociado em janeiro. Vamos ver.

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