O aniversário do Corinthians

Hoje é um dia celebrado pelo corintiano. Mais ainda, celebrado pela mídia, que certamente comemoraria até o massacre da Candelária caso isso vendesse jornais. Nesse dia que indiscutivelmente é relevante, não me lembro do Corinthians, o clube do povo, estar mais longe desse povo que ele deveria representar.

O Corinthians, em seu aniversário, mantém “o povo” longe do estádio. O clube tem os ingressos mais caros da Série A, supostamente numa relação de oferta e demanda que foi a mesma que mudou a cara da torcida na Inglaterra, deixando “longlife supporters” condenados a ver os times que eles seguiram por décadas do lado de fora do campo. Aqui, o Corinthians lota o Pacaembu com uma torcida que pode pagar $50 reais por ingresso. O resto, “o povo”, que se exploda.

O Corinthians se alia com o que há de pior, mais autocrático, pós-escravista e nefasto na política do futebol. Se Flamengo, Grêmio, Fluminense, São Paulo e outros grandes clubes brasileiros adotaram o fazer oposição a Ricardo Teixeira e à Globo, o Corinthians – leia-se, seu presidente Andres Sanches – vendeu-se à CBF em troca de favores como os que fizeram com que tenha se decidido por um estádio para a Copa do Mundo que não tem nem projeto nem ninguém sabe como vai se pagar.

O Corinthians, em seu aniversário, alia-se à mídia. Não a toda ela, mas à parte mais amadora, despreparada, desqualificada e absolutamente ignorante do papel que deveria desempenhar. Uma mídia que não tem pudor de publicar coisas como “o povão será tratado como rei no Itaquerão”, “não haverá dinheiro público na construção do estádio”, “os “naming rights” pagarão 80% da obra”, entre outras sandices, ridículas, nojentas, absolutamente dissociadas da verdade. Uma mídia que quer vender jornal porque não entende sua função nem que vender jornal não é mais o cerne da comunicação.

O Corinthians, em seu aniversário, alia-se à classe mais preparada para executar os grandes assaltos ao Erário. Nem mesmo um debilóide pode acreditar que o estádio de Itaquera sairá de graça. Sua conta será paga por todo mundo. O corintiano mal-informado (e não é só sua culpa, porque quem deveria informar não informa) festeja, rindo dos rivais, mas faz o ritual da hiena. Não sabe que a mesma prática que ele endossa é a que o obriga a ir todos os dias ao trabalho num ônibus caindo aos pedaços, a ver seus filhos correrem risco de vida na porta de hospitais superlotados, que o impede de ter uma casa própria e uma escola que não devolva seus filhos analfabetos funcionais com tendência à marginalidade. Naturalmente, não é só o filho do corintiano que passa por essa provação, mas ao celebrar o ritual nojento de beija-mão da CBF e assalto aos cofres públicos, é isso que ele aprova, com um sorriso no rosto digno de um imbecil. Fossem flamenguistas, sãopaulinos, colorados ou atleticanos na sua situação, provavelmente fariam o mesmo, dentro das mesmas condições.

Existe um Corinthians, em seu aniversário, que não está sendo celebrado de verdade. O Corinthians de Biro-Biro, Basílio, Vaguinho, Luisinho, Baltazar. Um Corinthians que vencia os títulos com times menos técnicos mas que perfazia milagres nos derradeiros minutos de finais perdidas, movidas por uma fé de sua torcida que criou lendas. Não uma torcida organizada, que se acha a verdadeira herdeira da fé corintiana. Mas a torcida real, do cara que saía do quinto dos infernos para ir até o Pacaembu e ver o time jogar mal, mas com tamanha garra que dobrava adversários muito melhores. Que chorava nun drible de Ezequiel ou num cruzamento de Jatobá. De um dirigente que colocava dinheiro do bolso, como Vicente Matheus ou de um jogador, como Casagrande, que quando jogava no Flamengo, tremia ao ouvir a torcida alvinegra gritar seu nome.

O Corinthians que faz aniversário hoje, não é o de Andres Sanches, do estádio com negociatas, de Ricardo Teixeira, de Kassab, de Kia Joorabchian, Carlos Leite, Ronaldo com trezentos quilos. Não é. É um clube com uma tradição que está esquecida e escondida, mas intocada, e que realmente metia respeito e até medo nos adversários por uma energia inexplicável que misturava caos e genialidade. Ao bater palmas para esse Corinthians, eu faço questão de ignorar o de hoje. Promessas de uma grandeza cheia de élan já existiram na história do Corinthians, mas nenhuma delas vingou. A que vingou não era uma promessa. Era a ideia do grupo de operários que se reuniu em 1910, sem ambições que fossem além de um sonho. Essa força, os Andres, Kias, Teixeiras e outros inefáveis personagens jamais terão.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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