O dono do país e seus amigos

Não votei nele. Ninguém votou. Mas é Ricardo Teixeira o homem que decide onde as maiores obras de infraestrutura do futebol brasileiro serão feitas, como serão feitas e quem pagará por ela. O presidente Lula, os governadores e todos os outros políticos que tiveram o meu e o seu voto entregam a esse cidadão o poder outorgado a eles para satisfazerem suas sanhas eleitoreiras nojentas. A popularidade do presidente nunca esteve tão em alta graças a esse tipo de artifício. Poucas vezes senti mais nojo da classe política do que agora.

Nem na África do Sul, certamente o país com o menor nível de desenvolvimento a ter recebido uma Copa do Mundo, as decisões de sede e construção de estádios foram tomadas com base em critérios e interesses tão abertamente subservientes a uma pessoa. Ricardo Teixeira é a síntese de um tipo de personagem contra o qual Lula sempre disse que lutava, o de um oligarca nepotista que se mantém no poder graças à ferrugem e necrose das estruturas administrativas mais podres e injustas que o Brasil carrega desde a escravidão. Os que celebram estádio, copa e olimpíada – especialmente os menos instruídos, categoria entre os quais infelizmente estão vários expoentes da mídia – não percebem ou fingem não perceber que são essas mesmas estruturas que nos atam à corrupção, aos desvios de dinheiro, às negociatas e a tudo que mais fede na vida pública.

Na discussão, certamente há de vir o idiota da objetividade e dizer: “Mas o estádio do Corinthians não terá verba pública”. Talvez eu esteja aqui chovendo no molhado, pois de um idiota não se pode esperar algo que não idiotice. Quando o presidente da república “sugere” à maior empreiteira do Brasil que construa um estádio para seu clube de coração e time de segunda maior torcida no país – coincidentemente antes de uma eleição – não é preciso esperar que a verba pública venha através de um depósito bancário. A corrupção não é uma lesma com rastro. Não existem várias vias com canhoto numa operação corrupta. Não há acordos assinados entre corruptores e corruptos. Ela vem assim: em jantares, acordos, apertos de mão, abraços. Num país decente, o “pedido” (ou sugestão, como queiram chamar) inocente de Lula acabaria em “impeachment”, porque a empreiteira tem interesses no governo. Mas este não é um país decente.

Não é só na arquitetura criminosa ao redor das tramóias de estádio em São Paulo que cheiram mal, permeadas pela politicagem barata de Andres Sanches e sua rifa política para a CBF. Novos estádios em Manaus, Cuiabá, Natal e Brasília também exalam um odor de putrefação, já que eles apodrecerão sem uso a partir de 2015. Isso para não falar da falta de pulso do governador do Rio que fechou o Maracanã antecipadamente para punir o Fluminense, outro que ousou desrespeitar o dono do país e presidente da CBF.

Não tenho dúvida de que esse texto será diminuído como tendo um conteúdo clubístico ou bairrista – um argumento que denota quase que invariavelmente os webmoluscos. Mas não é. A cidadania das pessoas está sendo atingida e elas não percebem. Mas se elas gostam de se alimentar de dejetos e dar risadas, a exemplo de hienas, este não é o meu caso. E disso, como algumas outras coisas como lealdade e outros princípios, eu não abro mão.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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