Acompanhando o desenrolar do Dungagate

Estou acompanhando a questão da guerra de Dunga com a imprensa com uma atenção maior. Para mim, que sou jornalista e trabalho com futebol, o ângulo é essencialmente interessante, porque revela o modus operandi da federação e a ética dos meus colegas de trabalho. Faço esse preâmbulo antes que alguém questione a validade da seqüência de posts.

O testemunho dos jornalistas do UOL e da Folha foi um dos mais interessantes da Copa. Já que ninguém que cobre a Seleção consegue abordar nada de interessante, em grande parte graças à onipotência da CBF que ninguém questiona, revelar os bastidores de uma operação que parece destinada a colocar Dunga dentro de um microondas atômico foi extremamente saudável. Isso porque, mesmo que Dunga seja um desequilibrado, uma pessoa despreparada para assumir o cargo que tem – seguindo as diretrizes de despreparo da CBF – montar um esquema para jogar a torcida contra ele não é aceitável. Compreensível, dado o histórico promíscuo de parte da imprensa para com os órgãos de poder, mas não aceitável.

Na cobertura do Sportv e Globo, o assunto das faltas de educação de Dunga (que certamente são muito mais frequentes do que a torcida imagina de um modo geral) foi proibido de ser abordado abertamente. Apesar do jornalista xingado ter sido Alex Escobar, a emissora se refere a ele como “a agressão de Dunga a um jornalista”, sem mencionar seu nome. Praticamente todos os jornalistas que eu vi nesta terça na emissora (não assisti a programação toda, mas entre os que eu vi só André Rizek não fez uma menção às escondidas) mandaram mensagens subliminares de reprovação ao comportamento de Dunga. Tradução: o destempero do técnico causou mal-estar nos colegas de Escobar, com justiça, diga-se.

Até aqui, os treinadores que fracassaram ou que estão sob risco de fracassar têm recebido de suas imprensas um tratamento destinado a bodes expiatórios. Dunga deve receber um tratamento similar ao de Domenech em caso de fracasso, com a diferença que a França está no centro do maior vexame comportamental da história da Copa do Mundo, enquanto o Brasil está nas oitavas de final da Copa.

Cabe aguardar os próximos capítulos dessa disputa. Ricardo Teixeira se manteve distante porque não quer arriscar ficar de mal com o técnico campeão nem muito menos de mal com a Globo, uma adversária indesejada para quem tem quatro anos difíceis em termos de corrupção e falcatruas possíveis na construção de estádios e obras de infraestrutura. Enquanto isso, de resto, ficamos com a cobertura que se divide (em todas as mídias, diga-se e não só nas mídias globais) em matérias sobre o comportamento das torcidas e a opinião de ex-boleiros que reclamam da falta de qualidade do torneio. Fundamental. Afinal, eu não imaginava como era o clima de uma churrascaria brasileira em Joanesburgo durante um jogo da Seleção e não podia supor que um ex-jogador qualquer não quisesses sugerir que ele jovava muito mais do que esses falsos craques de hoje.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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