A onipresença de José Mourinho

José Mourinho não foi à Copa (apesar de Sulley Muntari ter tentado um minigolpe contra o técnico sérvio Rajevac para tê-lo no Mundial), mas sua sombra megamediática estende-se vastamente no torneio. Seu ‘approach’ “tudo pelo resultado” e sua vitória histórica sobre o Barcelona na Liga dos Campeões fizeram história. E a herança deixada por ele é o ponto de maior lamentação no Mundial até aqui.

Quando Mourinho viajou a Barcelona precisando de um empate, sabia que só uma medida extremada lhe daria sucesso. O time da Inter não tem nem de perto a qualidade do Barça. Assim, montou a retranca mais raivosa nos últimos trinta anos no torneio, apostando num contragolpe filho de uma Inter que congestionava uma faixa de 30 metros do campo. Deu certo, a Inter foi campeã e ele foi justamente glorificado como o arquiteto do sucesso.

Historicamente, o futebol viaja atrás do modelo de futebol mais bem-sucedido. Se o Barcelona tivesse sido campeão de tudo neste ano ao invés do ano passado, creio que a Copa veria times mais abertos, jogando com dois volantes e três armadores abertos, apostando no bom passe e defesa compacta como faz o time de Guardiola. O sucesso de Mourinho deu aos times com menos talento a esperança de poder ambicionar vôos maiores.

Todos os times que vêm surpreendendo na Copa – Suíça, Paraguai, Eslovênia e afins – dedicam-se à defesa com uma fé fanática. Como Mourinho deixou claro, as defesas vencem copas. Os jogos ficam feios exatamente porque ainda não se sabe lidar direito com esse estreitamento das faixas de terrenos que limitam o jogo entre duas linhas de impedimento muito altas.

Mourinho não inventou nada. É uma adaptação do preceito genial do futebol total da Holanda de Rinus Michels. A linha de impedimento não é só defesa, é também ataque, porque aumenta a superioridade numérica em cima do adversário uma vez recuperada a bola. A adaptação se fez porque Mourinho não tinha um time talentoso (exceção feita a Sneijder) e também porque entre 1974 e 2010, o avanço físico diminuiu os espaços. É preciso redescobrir caminhos, algo cíclico em todos os esportes.

Os brasileiros são rápidos em afirmar que a saída é driblar. É aceitável porque o brasileiro tem uma obsessão com a forma barroca e sensual do drible. É um traço cultural, mas que às vezes leva à conclusões erradas. O drible no futebol total é fundamental, desde que usado para o time. Ou seja: o drible faz parte da solução, mas o cerne da coisa mesmo é o passe, rapido e preciso. Prender a bola jogando em 30 metros é segurar uma bomba. O passe rápido faz o adversário cansar.

A verdade é que não existe isso de “Futebol alegre” e “futebol retrancado”. Mesmo os apóstolos do drible respeitam a mesma coisa que todos os outros: a vitória. Os ferrolhos impostos na Copa ruirão quando se depararem com um time de passe preciso combinados com dribles em momentos chave e laterais que apoiem bem. Todos os favoritos da Copa podem jogar com essa configuração, mas até agora ainda não tiveram coragem para isso.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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