Os ricos também choram

E finalmente o time tricampeão inglês, marca mais valiosa do mundo do futebol, finalista das últimas duas Ligas dos Campeões, proprietários de um dos estádios mais míticos do mundo, comandados pelo técnico mais laureado da Europa descobrem-se em guerra com sua torcida. Como é possível um quadro no qual todas as conquistas não bastam?

O Manchester United e seus proprietários formam um casamento que não teria como dar certo. Os meus colegas que conjugam negócio dom o esporte terão de me desculpar, mas o esporte não é um negócio qualquer e o lucro é bem-vindo, desde que atendendo a determinadas demandas que na verdade são a alma do negócio.

Uma vez, Bob Paisley, técnico do Liverpool questionado sobre se uma determinada contratação não deixaria o clube sem recursos, respondeu: “Todos os recursos deste clube tem de estar dentro daquele gramado vestindo uma camisa vermelha”. A mensagem talvez precise receber alguns retoques no mundo megaglobalizado do século XXI, mas a essência continua a mesma. O torcedor é um cliente de fidelidade incomum, mas tem sensibilidades extras a serem respeitadas.

Malcolm Glazer e sua família não dão a mínima para o futebol nem para o Manchester United nem para ninguém que não tenha o sobrenome Glazer. Tecnicamente, estão no direito deles, uma vez que a sociedade está assim organizada. O ponto é que capitalistas super-radicais não estão prontos para o futebol nem vice-versa. Não é possível ganhar dinheiro a qualquer custo, porque para o torcedor, vender o seu lendário estádio ou ceder um ídolo é um pouco como vender uma perna ou um rim. As marcas não se apagam.

O futebol jamais teria alcançado a projeção global de hoje se não tivesse pego uma carona no desenvolvimento capitalista. Só que o desenvolvimento desefreado da busca do lucro traz dentro de si o germe da própria destruição, como o mundo quase pôde ver em 2008 com a crise econômica mundial. Depois que se venceu tudo, não há mais nada para se vencer, mas clubes como o Manchester e o Real Madrid vivem num modelo que se assemelha à expansão do Império Romano, onde a sustentabilidade dependia de conquistar novos territórios. Quando não havia nada mais para ser conquistado, ruiu.

O Manchester vai ruir? Não. Mas o futebol europeu está entrando num novo estágio do neocapitalismo da bola, no qual o meganegócio tem espaço, mas precisa compreender as idiossincrasias do esporte e do torcedor, onde o presidente do clube precisa ter sensibilidade para se condoer com o torcedor na arquibancada. É uma transição longa mas vem por bem – pela compreensão e sagacidade – ou por mal – prejuízos, conflitos e derrocadas.

No Brasil, o futebol ainda está um estágio antes, estamos prestes a entrar na era do negócio, onde clubes desorganizados e corruptos terão vitórias esparsas e aos soluços. Tivéssemos dirigentes menos analfabetos e anacrônicos e eles poderiam sacar que é possível fazer uma transição mais rápida para o momento ao qual o fut europeu se dirige. O burro não aprende com seus erros; o racional, sim e o verdadeiramente sábio, aprende com os erros dos outros.  Alguém aí gostaria de saber em que categoria se encaixam os cartolas brasileiros?

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.

9 Comments

  1. Concordo contigo: no futebol brazuca só existe espertalhão. A prova de que ninguém é bobo é que eles não largam o osso. Ficam 10, 20, 30 anos anos no poder. Se pudessem, alterariam o estatuto de cada clube para que a coisa funcionasse de maneira hereditária.

  2. muito bom, os capitalistas tem que entender que o futebol é um negócio extremamente peculiar, que pode gerar grande lucro, mas que para isso tem que se ter cuidado e preservar seus valores e culturas.

  3. Pois é… Do ponto de vista administrativo, eles são, como você mesmo diz, protozoários em coma.

  4. Pois é… Do ponto de vista administrativo, eles são, como você mesmo diz, protozoários em coma.

  5. Muito muito bom! O grande lance do futebol, como está claro no texto, é que algumas idiossincrasias devem ser obrigatoriamente respeitadas. E nem todo mundo tem essa percepção.

    Os Glazers, por exemplo, não a possuem ainda. Os caras acreditam que podem administrar o United com as mesmas regras com que administram o Buccaneers. Só que uma temporada pífia na NFL pode até significar uma impressionante melhora na seguinte – tudo depende da existência de um astro no draft. Na EPL não existe draft e para você mudar esse estado de inércia demora…

    Basta ver os apelos do Galliani para que os tifosi do Milan paguem o ingresso e assistam aos jogos da equipe em San Siro. Só que no início da temporada o torcedor comum acreditava que a equipe não era competitiva e resolveu investir o dinheiro destinado ao ingresso em outra coisa.

    E olha que nesse caso específico o rendimento atual da equipe em campo ajuda e muito o apelo do cartola. Poucas são as partidas do Milan nesta temporada que o tifoso não tenha sido brindado com ao menos um golaço. Mas agora parece já ser tarde e o público só deverá melhorar na próxima temporada. Isso se o mercado ajudar, a economia melhorar etc.

  6. Sobre o que tange os cartolas brasileiros, acho que são em sua maioria amadores e corruptos em menor proporpoção.
    Quando o assunto é o United, não vejo a situação de maneira muito otimista. Não acredito na possibilidade da venda do mítico OT, no entanto, dizem que Rooney pode desembarcar em Barcelona na próxima temporada. Como a declaração de Ferguson dizendo que tem dinheiro, mas que não há ninguém no mercado que mereça jogar nos Red Devils soou como a mais deslavada das mentiras, temo que a possível perda do atacante não tenha reposição à altura. Caso isso aconteça, o United desceria mais um degrau no Olimpo europeu.

    Abs

  7. Caro, claro que permito a discordância, mas não concordo mesmo. Dirigentes que conseguem fazer com que o Flamengo se enterre em dívidas – mesmo com eles ficando milionários – não podem merecer outra classificação. Os cartolas poderiam ficar ricos da mesma forma se gerenciassem bem os clubes – mas estes não quebrariam…

  8. Cassiano, me permita discordar de você num item: os dirigentes brasileiros não são burros. Sobretudo aqueles que fazem uso do marketing e de trocas (favores e/ou espécie) com a grande imprensa – despreparada e ávida por entrar nos esquemas por suas necessidades e interesses comerciais – para se promover politicamente. Logo, em todo o Brasil há dezenas de casos de cartolas que se elegem prefeitos, deputados e até senadores por fazer carreira às custas dos clubes – e a imprensa faz o jogo deles. Deixando de encher linguiça, não concordo com a afirmação de que eles são burros. São espertalhões.

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