Mercado

Eu sempre gostei de acompanhar o período intercampeonatos na Europa. O mercado de futebol sempre foi um espaço interessante para ver como os times estavam privilegiando seus planejamentos (ou, a falta deles). Se um grande clube perdia um craque, como buscava o seguinte e assim por diante. Segundo uma pesquisa de um jornal italiano em 1999, o ‘calciomercato’ era o assunto de maior interesse para os homens, superando até mesmo os resultados de suas equipes.

Só que perdeu a graça. Com o crescimento da influência de um “player” rigorosamente inútil e nocivo – o empresário – os noticiários são bombados com mentiras para acelerar a quantia de transações. “Necessidades” são inventadas para os clubes em cima da ganância desses agentes, que não contribuem em nada com o sistema e são ajudados por jornalistas que, sem ter capacidade de buscar notícias de verdade, se vendem em troca de um “furo” ridículo qualquer. Isso para não se falar na participação cada vez maior de treinadores nas contratações. Alguns, como o técnico do Tottenham, são notórios pelas suas “proximidades” com empresários. Redknapp é o sexto treinador mais rico da Inglaterra e até a Copa da Inglaterra conquistada pelo Portsmouth em 2008, jamais tinha vencido uma taça. Em menos de um ano, ele já fechou dezessete contratações para o clube de White Hart Lane. Acaso ou não, Redknapp é um dos personagens mais envolvidos na investigação da justiça britânica sobre o pagamento de propinas nas contratações de atletas.

O mercado não perdeu a graça só por causa de empresários sem caráter nem escrúpulo ou técnicos corruptos. Perdeu a graça porque não se trata mais de um jogo de estratégia e planejamento. Há dez anos, os grandes clubes da Europa disputavam entre si os melhores jogadores do mundo. Cada um se garantia um ou dois e a competência fazia o resto. Hoje, os clubes que têm sucesso são exatamente aqueles que trazem o dinheiro mais suspeito. Seja o Real Madrid e seu “apoio” informal do estado e do establishment espanhóis, sejam clubes sem expressão como Chelsea e Manchester City que, envolvidos com gente da estirpe de Kia Joorabchian, investem quantias irreais em transações nitidamente ilegais. Milan, Bayern, Porto, Ajax (para citar só campeões europeus) são, hoje, times que vivem dos restos dos milionários suspeitos.

Platini já falou contra o “doping” financeiro desses clubes, mas talvez não tenha se dado conta da relevãncia que isso tem. O futebol europeu está se transformando num brinquedo de oligarcas corruptos, sheikhs zilionários que vivem da exploração da miséria de seus povos e agentes interessados em fazer com que os atletas troquem de clube uma vez por ano. O fascínio de um confronto entre Liverpool e Juventus, entre Del Piero e Garrard está sendo trocado pela vulgaridade de uma partida entre Manchester City e Zenit. Esses excessos terão fim, por bem ou por mal. Até que eles acabem, nos resta a saudade dos jogos de verdade.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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