Os traidores

A discussão do fim de semana no Brasil foi: o Milan deve vender Kaká? Ele deve ir para um clube pequeno – mas que se diz ambicioso e certamente rico – Manchester City? Difícil responder. Então, façamos o que? Vamos falar bobagem.

Observação recorrente no final de semana da TV era que “o Milan não estava fazendo questão de segurar Kaká”. Não por coincidência, essa tônica é a mesma adotada pelo famigerado The Sun, tablóide radical de Londres. O Sun cravou na manchete que Kaká iria para a Inglaterra porque estava se sentindo traído pelo Milan.

Vamos aos fatos: o Milan paga a Kaká €10 milhões por ano (cerca de R$ 31 mi) num reajuste negociado há menos de um ano, inclusos aí os salários do seu irmão Digão que, não, o clube não aposta ser o novo Baresi. Com a proposta do City nas mãos, o pai de Kaká, que é seu empresário, ligou para o Milan e disse que para ficar, Kaká teria de receber um aumento. Ao saber do pedido, o dono do Milan, Silvio Berlusconi agradeceu, disse que entendia a necessidade de Kaká, mas que não podia pagar mais ao craque. Ronaldinho recebe €4 milhões anuais; Pato, recebe €2 mi. Uma corrente inflacionária se estabeleceria, com certeza, num clube que é conhecido por uma eficiente política salarial entre os grandes italianos. A posição do Milan teria sido: Kaká, se quiser, fique que será um prazer, mas sem aumento.

Mas tiremos o lado sentimental da questão (Berlusconi gosta muito de Kaká também como pessoa). Essa não é uma questão sentimental. É burrice, ou no mínimo, ingenuidade desinformada achar que um assunto envolvendo cerca de €200 milhões (cerca de R$ 620 milhões) seria decidido na “amizade”. Milan, Kaká, seu pai e todos os envolvidos estão pensando é em negócios, porque decisões amistosas não se tomam neste âmbito.

Se a proposta é na casa da cifra mencionada (€115 milhões), o Milan tem a obrigação de vender qualquer jogador. O Milan e qualquer outro clube, aliás. Kaká é um craque, mas essa quantia compra pelo menos cinco excelentes jogadores com contrato longo em vigência. Procurando bem (contratos próximos do fim, jogadores insatisfeitos, etc.), é possível formar quase um time inteiro no nível de times da Liga dos Campeões.

Além disso, na posição de Kaká, não é que o Milan esteja passando fome. Apesar de terem estilos ligeiramente diferentes, Kaká e Seedorf podem ocupar o mesmo espaço. Se o esquema for alterado, então, ainda há Pirlo e Gourcuff (emprestado ao Bordeaux, mas do Milan) que podem se incumbir de um papel de armação de modo diverso. “Ah, mas Kaká é melhor!”. Kaká é um craque, não se discute. Mas esses jogadores não são exatamente dignos do Grêmio Barueri.

O aspecto pessoal pesa mesmo é para Kaká. Ele não quer ir para o City porque não é burro. É idolatrado pela torcida de um dos maiores clubes do mundo, ganha um salário de rei e nesse clube, um dos maiores palcos do mundo, pode escrever seu nome na história do futebol como um protagonista. Nem o salário nababesco do City (€15 milhões anuais, só de salário) garantiria isso.

Ninguém está traindo ninguém. Falar que Kaká está fazendo bobagem ou se vendendo é fácil para quem não tem de tomar tal decisão. menos ainda para uma empresa (Milan) diante de uma soma que significa uma reformulação de qualidade da equipe. Assim, concluir que o Milan está “traindo Kaká” ou que está só pensando no dinheiro, é conversa de quem ouviu o galo cantar mas não sabe aonde.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.

4 Comments

  1. Caros, a proposta não era aquela, era superior. Com o protesto, o Milan ameaçou desfazer o negócio e o City elevou o valor para €130 milhões. Kaká decidiu ficar tocado pela torcida. E convennhamos: quem ganha €10 mi por ano não tem de se preocupar com dinheiro.

    Sobre as dívidas, o Milan não tem dívidas. O que acontece é que Berlusconi não dá mais dinheiro para megacontratações por “veto” da família e assim o clube tem de se gerenciar financeiramente.

    Sobre a política salarial: com todos os astros no lube, o Milan tem um teto de €4 milhões (só Ronaldinho ganha €4,5 mi) por ano. O único fora disso é Kaká. Juve e Roma tb têm boas políticas salariais, mas a Fiorentina depende dos mecenas Della Valle.

    abraço a todos

  2. Cassiano, mas o que vc acha das informaçoes(desencontradas)de que naum seria tanto dinheiro assim oferecido ao Milan e que Galliani disse que o Milan precisaria aprender a viver sem um magnata( ou seja, boa parte do dinheiro da venda seria para pagar dividas??)
    agora eu discordo de vc ao achar que a politica salarial do Milan eh eficiente…eh muito pior que a da Juve,Roma e Fiorentina, por exemplo, para ficar em clubes que ficaram a frente do Milan na ultima temporada… o que eh muito bom no Milan eh o dpto de Marketing..

  3. Amigos, não podemos nos esquecer que Berlusconi também passa longe de ser uma flor que se cheire.
    Além disso, estão cada vez mais fortes os rumores de a oferta do City é de “apenas” metade do que vem sendo divulgado.
    Se for verdade, a história passa a ganhar contornos quase obscenos.
    De fato, não é uma questão amistosa…

  4. Cassiano, acho que essa versão da traição do Milan é conveniente aos jornalistas nacionais, que se acostumaram a pensar no Kaká como um exemplo, craque em campo e bom caráter fora dele, reputação que se deve em grande medida à lealdade que ele demonstra em relação ao Milan. Talvez por isso seja tão difícil para a mídia tupiniquim admitir que interesses financeiros influenciam as decisões do Kaká, como de resto as de qualquer profissional.

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