Inter, campeã folgada

A manchete desta semana na coluna de Italiano da Trivela só não foi estampada em junho porque ainda havia uma mera formalidade – 38 rodadas para impedir. Contudo, à exceção de uma Roma modesta, havia bem pouco que pudesse fazer com que a Internazionale quebrasse seu jejum de 18 anos.

Por mais que os torcedores ‘nerazzurri’ possam ficar chateados, assim como é impossível não reconhecer que a Inter não conheceu adversários durante os últimos 12 meses, também é inegável que o titulo foi amplamente facilitado pelas penalizações impostas a Juventus, Milan e Fiorentina – todos candidatos ao troféu antes de a competição começar.

De qualquer maneira, entra para os registros que a campeã desta temporada é a Inter – e não sem méritos. O time soube aproveitar as vantagens que tinha sob todos os aspectos para assegurar um ‘scudetto’ cuja longa demora era um dos maiores obstáculos ao sucesso do clube. Nunca é demais lembrar que a Inter não teve culpa nenhuma se os outros resolveram se meter em mutretas.

Ainda que na próxima temporada a concorrência volte a ter força total, a pressão sobre o clube de Appiano Gentile estará sensivelmente menor e eventualmente talvez possa se fazer lá um planejamento que permita uma série maior de conquistas. O clube tem tudo. Dinheiro, torcida, reputação e agora, um elemento que não se podia comprar: calma.

O elenco

Indiscutivelmente o sucesso interista se iniciou quando todos os outros clubes italianos envolvidos no ‘Calciocaos’ ainda sofriam em angústia para descobrir quais seriam os tamanhos de suas punições. Nesse momento, a Inter correu ao mercado de transferências e abriu o bolso para garantir que o volante Vieira e o atacante Ibrahimovic vestissem ‘nerazzurro’ Além disso, o clube já tinha feito três aquisições inteligentes, Dacourt, Maicon e Maxwell, a custo baixo (ou nulo), além do consistente Fabio Grosso – quando ele ainda não era campeão mundial.

Os novos aportes deixaram um grupo que já era bom com folga (só para o ataque, por exemplo, a Inter tinha Adriano, Ibrahimovic, Crespo, Julio Cruz e Recoba). No gol, Júlio César e Toldo alternaram suas boas formas e puderam ver uma defesa com muitas opções de composição. O destaque do elenco, por setor, no entanto, foi no meio-campo, onde a enorme variedade de volantes (Cambiasso, Dacourt, Vieira) dava uma segurança ímpar à defesa.

O treinador

Esta poderia ter sido a temporada da derrocada final de Roberto Mancini como técnico. Pelo fato de não ter galgado degraus na sua curta carreira de técnico (Fiorentina e depois Lazio e Inter), Mancini não maturou com o tempo necessário e era pesadamente criticado pela sua incapacidade de vencer com os recursos de um clube táo rico. Um fracasso numa tempotada “ganha” o colocaria uma alcunha de perdedor difícil de tirar.

Mas ele se saiu bem. Gerenciou a pressão num momento incômodo (quando a Inter tinha sofrido derrotas seguidas na Liga dos Campeôes), fez valer sua autoridade sobre um Adriano indisciplinado e ganhou a confiança dos atletas com um esquema de jogo fluido. A capacidade de Mancini sera realmente posta à prova no próximo campeonato, quando ele terá de administrar uma pressão muitíssimo maior. Mas seja como for, ele já mostrou que tem condições técnicas de comandar mesmo um clube grande.

A tática

Ainda que sempre tenha apreciado muito o 4-4-2 tradicional, Mancini não tinha como abrir mão do fato de ter em seu elenco armadores tão bons quanto Luis Figo e Dejan Stankovic para atuarem atrás dos atacantes. Essa foi a razão principal da passagem para o 4-3-1-2 onde o ‘1’ frequentemente se inseria como um terceiro homem de frente. A abundância de volantes de qualidade e que marcavam bem também ajudou na decisão. Com Vieira, Dacourt e Cambiasso havia pouco espaço mesmo com a posição mais avançada do ‘trequartista’, que dava múltiplas oportunidades para um ataque variadíssimo, onde Zlatan Ibrahimovic sempre foi o homem a mais.

A entrada de Fabio Grosso na esquerda resolveu um problema crônico que tinha mais de dez anos na posição. Lamentavelmente, Beppe Materazzi tornou-se o ‘símbolo’ da Inter campeã, mesmo sendo um jogador de lealdade questionável e técnica limitada. Isso, porque na Inter estão dois dos melhores centrais da Itália, Samuel e Córdoba, que se alternaram durante o ano todo. Burdisso, outro ‘reserva de luxo’ também teve um ano excelente e adaptou-se finalmente ao ritmo de jogo italiano. Na direita, Maicon jogou tão bem que por vezes forçou Mancini a escalar o capitão Javier Zanetti na esquerda.

O elemento-chave

Alem do decantado ‘Ibra’, a Inter teve um ‘patinho feio’ que não raro salvou o time de papelões. ‘El Jardinero’ Julio Cruz, o argentino de 32 anos, que nesta temporada fez 11 gols em 21 jogos (mas quase todos eles importantes). Com 52 gols em 133 partidas pelo clube, Cruz tem um rendimento fantástico para um jogador que quase sempre sai do banco de reservas para resolver em momentos difíceis. Ainda que não famoso e elogiado, boa parte do sucesso interista em 22006/07 passou pelos seus pés.

O craque

Adriano talvez pudesse ter tido sua temporada de consagração na Europa. Ao invés disso, adotou um estilo ‘bad boy’ onde festas, brigas e caras fechadas lhe renderam poucos gols e muitos bancos de reservas. Daí, a concorrência de Ibrahimovic se fez sentir. O sueco jogou muito, capitalizando com o fato da liga ter um nível técnico menor do que o que poderia.

Colocado à parte o imenso sacrifício de Julio Cruz, não dá para negar a Ibrahimovic o posto de maior nome desta Inter. Ibra jogou em várias posições no ataque e embora tenha começado a brilhar no Ajax como centroavante, demonstrou-se um espetacular assistente. Seus 15 gols na Série A foram determinantes e a sua ‘seca’ na Europa (nenhum gol na Liga dos Campeões) pesou na incapacidade da Inter de seguir adiante na competição. Parece ter domado seu gênio irascível, o que abre um caminho para a coroação como melhor do mundo em uma temporada ‘normal’, ou seja, com a concorrência em plenas condições.

A surpresa

Não se pode falar em uma grandíssima surpresa no grupo interista campeão italiano, na medida em que quase todo mundo já tinha uma grande experiência. Dois defensores, contudo, tiveram uma vitrine maior do que a que se podia esperar: o argentino Nicolas Burdisso exibiu grande versatilidade ao cumprir papeis diferentes na retaguarda e o jovem Andreolli, mesmo que somente em cinco partidas, deixou uma expectativa positiva.

O problema a ser corrigido

Numa temporada quase sem obstáculos, houve momentos nos quais a Inter conseguiu criar sozinha alguma ansiedade. O problema, ainda resquício da pressão passada por resultados, precisa ser observado nos meses que se seguem. Outra questão é saber se Adriano e Ibra podem conviver jogando bem e exigindo presenças no time. Sob o ponto de vista do jogo, o melhor que a campeã pode fazer é confirmar o grupo e não inchar o elenco com novas contratações que certamente geraria uma certa insegurança entre os atuais atletas. Mesmo que Figo siga para jogar no Oriente Médio, não há sinais de que sua ausência possa ser irreparável.

De olho no Gnocchi

Quando saiu de campo derrotada pela Sampdoria, em casa, no segundo turno, o Parma era dado como certo na segunda divisão. O elenco estava com o moral baixo, não havia grandes jogadores chegando e a 18a colocação (que se transformaria em 19a na rodada seguinte) soava como uma sentença de morte.

A troca de treinador ocorrida ali (saiu Silvio Pioli e assumiu Cláudio Ranieri) foi motivo de ironias, mas o ex-Chelsea e Valencia mostrou que ainda que nem todos precisem gostar de seu estilo, se trata de um treinador com idéias. Depois dali, foram 11 jogos com somente uma derrota (para a campeã Inter) e um exemplo clássico de reconstrução do time começando-se pela defesa. O time readquiriu confiança e teve como deixar os nomes de talento do grupo (Morfeo, Gasbarroni, Rossi) inventarem os gols que garantiram a volta à luta pela permanência.

O detalhe ao qual todos estão prestando atenção agora é a data em que o Parma assegurará a sua salvação. Se conseguir a meta nas três próximas partidas (contra Chievo e Lazio fora e contra o Messina em casa), o time estreará o ‘reforço’ Gene Gnocchi nos últimos minutos do jogo contra o Empoli. Gnocchi, um humorista de 52 anos muito famoso na Itália, fez um ‘apelo’ aos presidentes da Série A para contrata-lo e o dirigente máximo ‘crociato’ bancou. A aposta do presidente Ghirardi (que comprou o clube durante esta temporada) é que a sua presença no elenco relaxaria os jogadores e tiraria parte do peso que pesava sobre seus ombros. Parece ter dado certo. Se nada de imprevisto acontecer. Gnocchi fará suas sonhada estréia pelo Parma com a camisa 52 contra o clube toscano.

Esta é a seleção Trivela da 34a rodada do Italiano:

Eleftheropoulos (Ascoli); Paci (Parma), Contini (Parma), Nesta (Milan); Cambiasso (Inter), Mutarelli (Lazio), Seedorf (Milan), Stankovic (Inter) e Foggia (Reggina): Amoruso (Reggina) e Recoba (Inter).

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
Top