O escândalo dos escândalos

Em 1919, oito jogadores do Chicago White Sox, time de beisebol da cidade de mesmo nome, nos Estados Unidos, foram acusados de vender resultados de uma temporada inteira para os rivais do Cincinnati Reds, num conluio com a máfia de apostas local.

O escândalo chocou os Estados Unidos e os dirigentes da liga sentiram que precisavam agir com dureza para recobrar a respeitabilidade do esporte, que corria o risco de passar a ser visto como uma farsa. A decisão foi tão severa – todos os oito foram banidos do esporte para sempre (incluindo o astro “Shoeless” Joe Jackson) – e posteriormente até o clube mudou de nome para Chicago Black Sox, naquele que era o maior escândalo esportivo de todos os tempos. “Era”, porque o ‘Calciocaos’ tomou este posto no triste pódio da lama.

A mesma lógica que moveu os dirigentes do beisebol americano em 1919 estava inconscientemente com os juízes que deram as severíssimas penas para Juventus, Fiorentina, Lazio e Milan. A Federcalcio não queria somente punir os clubes e dirigentes, mas sim, estabelecer um marco.

Não há, no mundo, precedentes para a sentença de rebaixamento de três clubes de porte para a segunda divisão e ainda com uma penalização em pontos. O histórico de recentes escândalos do futebol italiano (leia abaixo) atingiu seu ponto máximo com o incidente, mas também viu um rigor draconiano igualmente inédito.

A semana do futebol italiano teve início e fim bem diferentes, com a Gazzetta Dello Sport vendendo quantidades recorde de jornais tanto no dia após a final da Copa (recorde absoluto para um jornal italiano – 2 milhões de exemplares), quanto no sábado seguinte à sentença. Os italianos realmente têm tradição em comédias e tragédias.

Nesta semana, você fica sabendo aqui na Trivela como as punições atingem cada um dos clubes e os envolvidos individuais nas punições de ‘Moggiopoli’. O julgamento do episódio deve provocar mudanças profundas na estrutura do futebol italiano e redimensiona, pelo menos no curto e médio prazo, o balanço de poder no ‘calcio’.

Punições: a Juventus

Desnecessário dizer que a Juve foi punida com mais severidade – e merecimento – uma vez que era a grande beneficiada pelo esquema de Luciano Moggi. Rebaixamento com menos 30 pontos significa dois anos na Série B, o que para um clube com o tamanho da Juventus é duríssimo.

Devemos nos lembrar que, além disso, a Juve deve ficar também pelo menos três temporadas sem a entrada de dinheiro da Liga dos Campeões, e sem a Europa, todos os contratos do clube perdem valor, desde os direitos de transmissão até a publicidade nas camisas. E é aqui que reside a causa que deve tirar o clube do caminho dos títulos por pelo menos cinco anos.

Para o torcedor, a dor maior deverá ser ter de perder todos os seus maiores craques, exceto Del Piero e Nedved, que já disseram que ficam mesmo na Série B. Buffon deve ir para o Milan (eventualmente com Zambrotta); Thuram tem proposta do Barcelona e Cannavaro do Real Madrid. Vieira negocia com clubes ingleses, enquanto Emerson foi chamado por Capello na Espanha (provável destino de Camoranesi).

Mutu já seguiu para a Fiorentina, e Trezeguet e Ibrahimovic têm pelo menos meia dúzia de candidatos cada um. A Juventus fechou com Didier Deschamps para ser seu técnico, e o francês já fala em “dois anos na Série B”, o que revela que o clube não espera nenhuma diminuição na pena.

Por fim, um dano duro e outro irreversível. O duro è o que o clube deve ter com suas ações, já que o valor das mesmas deve perder muito terreno e muitos acionistas poderão processar a família Agnelli, controladora da Juve. O irreversível é na imagem. O baque sofrido pela marca Juventus levará décadas para ser minimizado – se é que um dia voltará a ser o que era até maio deste ano.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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