A imprensa falhou

Depois que o escândalo envolvendo a Juventus veio à tona, uma busca implacável por culpados tomou conta de toda a Itália. Não é só a Juve que está sob processo, mergulhada na lama. É todo o país. A Europa inteira comenta o caso com grande desdém e velhos preconceitos do continente voltaram a ganhar força, sublinhando como o país tem uma tradição de maracutaias.

Aparentemente, a imprensa italiana está agindo com grande dedicação: dá grande espaços nas TVs e jornais, faz investigações, suscita dúvidas e faz perguntas incômodas para os envolvidos. Estaria tudo ótimo se ela mesma – a imprensa – não estivesse sendo vista como tendo boa parcela de culpa. Sobre isso, nem um pio. Ou quase.

Uma pesquisa de opinião pública feita semanas atrás revelou que os italianos acham que a imprensa está profundamente envolvida no episódio. E há argumentos para isso. Vários dos participantes da ‘Conexão Moggi’ eram “jornalistas”, como Aldo Biscardo (apresentador de uma mesa-redonda popular há décadas) e Carlo Longhi (o equivalente a Arnaldo César Coelho na RAI).

Mas pior do que isso é constatar – e isso não é um fenômeno italiano – como o jornalismo esportivo se tornou um jogo político, onde os jornalistas se domesticam em troca de ‘furos’ como a contratação de um jogador ou a demissão de um técnico. Em troca, nada de investigações, nada de perguntas indigestas, nada de nada.

Da mesma maneira que a mídia brasileira negou de maneira a pífia as críticas que fez a Luiz Felipe Scolari antes da conquista da Copa de 2002, a imprensa italiana nem toca no assunto. Ou quase. Finge que não é com ela. Certamente nos escritórios dos jornais e emissoras deve estar havendo alguma reflexão, mas publicamente, ninguém veio a público assumir a culpa.

O fenômeno da domesticação da imprensa possibilita duas observações. A primeira é em relação à política (também amplamente adotada no Brasil – e não só no esporte) de se trocar o velho e bom repórter por um rostinho bonito, mesmo que o resultado sejam matérias pateticamente óbvias e burras.

O segundo ponto é que talvez os italianos estejam se dando conta de qual é o preço de preferir assistir mesas redondas cheias de palhaçadas, com garotas bonitas aprendendo a falar e deixar para lá programas e publicações que coloquem o dedo na ferida.

Não faltaram artigos de jornalistas negando que a imprensa tivesse falhado miseravelmente. Mas que outra palavra poderia ser usada num episódio onde um dirigente do clube mais popular do país tivesse organizado um esquema que tinha pelo menos SETENTA envolvidos (ainda que não diretamente)? Como não condenar – no mínimo – a performance da imprensa?

O comprometimento da imprensa não é ajudado pela postura dos jornais de Turim, que têm rasgado manchetes escancaradamente favoráveis à causa juventina e iniciado a maioria das denúncias contra o Milan – que até agora são periféricas, embora já tenha se comprovado o envolvimento de um funcionário do clube.

O baque do escândalo deve servir para a imprensa italiana repensar seus erros e retornar aos padrões de qualidade que tem. Certamente questões como as dos direitos de transmissão do campeonato irão ser novamente discutidos e conflitos de interesse devem ser reavaliados.

Outros países devem olhar para o ‘Calciocaos’ e tirar lições. Os elementos de corrupção que existem na Itália têm lugar em todos os campeonatos. Um olhar arrogante para o futebol peninsular neste momento é uma excelente receita para acobertar mutretas que certamente acontecem em outros lugares. Se pode ficar algo positivo, será a observação de como um torneio tão requintado pôde ser dominado por tamanha podridão.

Juventus condenada? Parece que sim…

O relatório do interventor da Federcalcio, Guido Rossi, só sai dentro de duas semanas, mas o tamanho do caos e as reações do mundo do futebol parecem todos apontar para um único desfecho: pela primeira vez na história, na próxima edição da Série A, a Juventus não estará na primeira divisão.

Sabendo do peso político que têm o time de Turim e a família Agnelli (proprietária do clube), o cenário mais provável a esta altura do campeonato é o rebaixamento da Juventus para a Série B e a cassação dos dois últimos títulos italianos. Contudo, a gravidade do escândalo é tal que a lei pode até mesmo ser aplicada com rigor máximo, com a Juventus disputando uma impensável Série C, embora este cenário seja improvável.

A situação juventina não tem salvação sem mutreta porque Luciano Moggi tinha plenos poderes no clube. Para se salvar do processo de outros acionistas – caso a Juve caia – existiria até mesmo um plano da família Agnelli de comprar todas as ações do mercado, tirar o clube da Bolsa de Valores e processar Moggi e Giraudo por perdas e danos.

Lazio e Fiorentina estão em maus lençóis também. Pelas gravações fica claro que os dois clubes tiraram vantagens do ‘Sistema Moggi’ com o conhecimento ou participação de seus presidentes. Um jurista italiano, numa entrevista na semana passada disse que se a Juventus fosse punida com a Série B, Lazio e Fiorentina teriam de ter penas mais leves, como uma penalização em pontos. Série B para as duas só se a Juve fosse para a Série C.

O Milan está se esforçando para não ser colocado na mesma cesta que a Juventus. O envolvimento claro até aqui é de Leonardo Meani, um funcionário que acompanhava os árbitros em San Siro. Meani tem algumas conversas suspeitas, mas a penalização prevista para o Milan, na pior das hipóteses, seria em pontos.

Galliani fala grosso

Depois de ceder Shevchenko à força para o Chelsea, Adriano Galliani, dirigente milanista, resolveu bater o pau na mesa em relação a jogadores que estejam “infelizes”, um eufemismo criado pelos empresários para dizer que eles querem ganhar mais em outro clube.

“Se algum jogador nosso ficar infeliz, levarei ele para um passeio para que a infelicidade passe, porque de agora em diante jogadores sob contrato com o Milan ficarão aqui até o fim do vínculo”, disse Galliani.

O dirigente não tem tudo vida fácil. Além do escândalo da gravações telefônicas, Galliani não engoliu o fato de Shevchenko ter ido para o Chelsea. Embora o ucraniano garanta que foi por causa do aprendizado do inglês (sua esposa é norte-americana), não é difícil imaginar que a decisão foi feita em cima do salário nababesco: cerca de €9 milhões por ano.

Como se não bastasse, um candidato à presidência do Real Madrid resolveu abordar Kaká com idéias muito loucas. Antes que o brasileiro pensasse em se pronunciar, Galliani deu o aviso. “Depois de 20 anos, mudamos de política. Nunca prendemos jogadores que não quisessem ficar, mas agora isso mudou”.

A mensagem milanista é clara: Chelsea, Real Madrid e outros clubes que tenham achado dinheiro no lixo, o Milan ainda é o Milan. Certamente não falta dinheiro a Silvio Berlusconi para cobrir a oferta que for, mas os homens de via Turati não querem ser dragados para um cabo-de-força feito com notas de cem euros.

Este será um longo verão para o Milan. Além de ter perdido Shevchenko, Stam e Rui Costa, o clube viu os preços de atacantes ‘world class’ explodirem depois da venda de Sheva. O clube pode perfeitamente apostar em algum jovem promissor ao invés de buscar uma reposição de elite. Isso tudo sem falar no temor de um envolvimento maior no ‘Calciocaos’.

Ainda existe futebol…

Duvide ou não, a Itália ainda tem futebol a uma semana da Copa. É que a última vaga para a Série A da próxima temporada ainda está sendo disputada. No último final de semana, Torino e Matova bateram Cesena e Modena e farão a final do playoff. Na classificação normal, o Torino ficou na frente do Mantova. É um time que tem mais torcida e história, mas sabe como é…

Os dois clubes que já estão garantidos na série máxima são a Atalanta e o Catania. Os bergamascos não são novidade e se sobem mais uma vez é graças à melhor divisão de base da Europa. Nesta campanha, o time revelou mais uma safra de jogadores, como o defensor Daniele Capelli, os meias Lazzari e Manzoni e o atacante Filippini. O Catania na Série A é uma festa em si só, uma vez que é mais um time do sul do país.

O Torino está a um passo de conquistar a promoção mais sonhada de todos os tempos. Além de jogar a Série A, pode ver pela primeira vez a Juventus uma divisão abaixo. Até outro dia era uma insanidade pensar isso. Mas praticamente depende somente do time ‘granata’.

– O Palermo deve anunciar a contratação de Fábio Simplício ainda nesta semana.

– O mesmo Palermo cedeu o lateral Grosso à Inter por €5,5 milhões.

– O nome escolhido para comandar a Juventus na recuperação de seu nome foi o de Gian Paolo Montali, técnico da seleção italiana de vôlei.

– A Juventus já tinha nomeado Alessio Secco, team manager do clube como diretor esportivo e agora cogita Gianluca Pessotto para o cargo que era de Secco.

– Os Agnelli farão uma revolução no clube e querem somente gente intimamente envolvida com o esporta para tirar o clube desta situação difícil.

– O Milan quer de volta dois jogadores que fizeram bons campeonatos por empréstimo.

– Brocchi (Fiorentina) e Foggia (Ascoli) pertencem ao clube e as chances dos dois serem integrados ao elenco de Ancelotti são grandes.

– O investimento para o futuro é Gourcuff, armador do Rennes, cujo contrato será fechado quando o Milan se safar de um improvável rebaixamento.

– No Parma, a novidade certa é o treinador Stefano Pioli, que quase promoveu o Modena à Série A.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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