O peso do mundo

A desgraça futebolística que se abateu sobre a Itália certamente é o fato mais relevante do futebol mundial nestes dias anteriores à Copa. Exceção feita à Inglaterra, onde a presença de Rooney é rainha absoluta das manchetes de jornais, toda a Europa comenta ou faz projeções baseadas em superstição onde a seleção de Marcello Lippi e a ‘Azzurra’ campeã mundial de 1982 são comparadas.

Exemplos não faltam. O atacante Gilardino nasceu no dia da derrota do Brasil para a Itália no Sarriá (2/7/1982). Naquela Copa, a Itália também vinha de um escândalo então sem precedentes (o escândalo das apostas, conhecido na Itália como ‘Tangentopoli’). A Itália completa 24 anos daquele mundial neste ano – exatamente o mesmo período que o Brasil levou para vencer após o tricampeonato. A lista não é pequena.

Contudo, o ponto que pode sim ser considerado como um fator de empuxo para os italianos está longe das mandingas e crenças.

Este certamente é o grupo italiano mais coeso em décadas. E não que estes jogadores sejam melhores seres humanos do que outros. É que 13 dos 23 atletas da seleção se deram conta de que podem ter de voltar da Alemanha para jogar num clube de segunda divisão – levando-se em conta que os envolvidos Juventus, Fiorentina, Lazio e Milan estejam mesmo na berlinda. Mais do que qualquer apego à bandeira tricolor, isso faz diferença.

Quatro anos atrás, quando Giovanni Trapattoni estava na Ásia com a Itália, a cerca de 10 dias do Mundial, Del Piero estava dando declarações de que não aceitaria jogar na posição de Totti; a Itália fazia cara feia pela não convocação de Roberto Baggio e pequenas rusgas apareciam diariamente – como acontece em qualquer grupo de 23 homens juntos, confinados e sob pressão. Mas a Itália de Lippi é diferente. O time sabe que somente uma conquista pode abrandar os efeitos devastadores que o ‘Calciocaos’ deve deixar.

A Itália que enfrenta o maremoto do futebol é um time experiente. Fosse uma seleção como a holandesa, que apesar de talentosa tem uma média baixa de idade, poderíamos dizer que a derrocada italiana era certa. Mas, ao contrário, quase todo o time titular italiano tem rodagem: Buffon, Cannavaro, Del Piero, Totti, Nesta, Gattuso e Pirlo têm todos mais de uma Copa do Mundo nas costas. Como o brasileiro Parreira diz, experiência vale muito numa Copa – e na situação da Itália, mais ainda.

“Então quer dizer que a Itália será campeã?”. Claro que não. O Mundial tem vários times capazes de vencer, como Brasil, Holanda, Alemanha, Argentina, França e Inglaterra, para citar alguns. Mas não convém descartar a Itália de cara. Aliás, é isso o que ela mais quer. Os italianos adoram ressuscitar das cinzas quando todo mundo pensa que eles morreram.

E no campo? Como está a ‘Azzurra’?

Quando começou o escândalo do futebol italiano, todo mundo já pensou: “Xi, a Itália foi pro saco”. Até Franz Beckenbauer deu o seu palpite, declarando que a Itália iria pagar o preço da corrupção nos resultados da Copa.

O receio inicial de que a Itália despencasse em depressão parece ter sumido. O time está treinando forte e como já dissemos, com a moral alta. Totti dá sinais de que estará a disposição ainda na fase de grupo e a única tremida na base ficou por conta de Zambrotta, que sofreu uma contusão e antes de feitos os exames, temeu-se por uma lesão mais séria.

Sem Totti, Marcello Lippi sabe que é vantagem mexer no esquema, uma vez que o romanista não tem um clone no elenco. Como a vitória sobre a Alemanha mostrou um bom futebol, Lippi tende a usar um 4-3-3 se Totti não puder jogar contra Gana na estréia. Vale dizer que essa seria a opção de emergência, porque o técnico quer ter o meia da Roma e o 4-3-1-2 já para o primeiro jogo.

Sem Totti e com três no meio-campo, Lippi deve sacar Pirlo para colocar De Rossi com Gattuso e Camoranesi, postando Del Piero no ataque com Toni e Gilardino. A escolha faz sentido porque assim a Itália fica com mais pegada. Contudo, Pirlo é o melhor armador italiano e sem ele o time perde em criatividade.

Para o lugar de Zambrotta, que não deve jogar na estréia, Lippi escolherá entre Zaccardo e Oddo. O primeiro tem mais rodagem com o técnico na seleção, além de jogar em sua posição natural, enquanto Oddo prefere atuar na esquerda. A aposta em Oddo pode significar uma desconfiança da qualidade do ataque ganes, já que o lateral da Lazio apóia mais do que Zaccardo.

Não é simples avaliar a forma da Itália agora porque nesta altura do campeonato os atletas estão se poupando para evitar lesões. Os treinamentos mostram uma Itália bem fisicamente.

Um ano sem vencedor

O internauta que acompanha a Trivela há algum tempo pode estar se perguntando sobre a análise de final de campeonato que esta coluna usualmente faz. Todo ano, uma semana depois da última rodada, a campeã italiana é destrinchada e o próprio campeonato revisado entre melhores e piores.

Nesta temporada, entrentanto, esta coluna se deparou com uma dificuldade. Mais uma causada pela suprema vergonha do ‘Calciocaos’. Destrinchar quem? A Juventus? Sim, seria o mais lógico – afinal, foi ela que levantou o troféu depois da última rodada do campeonato. Mas como se, dentro de 20 dias (o prazo dado pela Federcalcio para encerrar as investigações) a ‘Signora’ pode estar na Série B?

A dúvida deste colunista certamente é o problema menor entre os causados pelo tsunami futebolístico da Itália. Hoje, o país não sabe o que acontecerá no esporte na próxima temporada e torcedores de todas as cores sentem um imenso amargor ao pensar no assunto. Nunca a expressão ‘estão matando o futebol’ foi tão verdadeira.

Assim, a análise sobre o campeonato deste ano ficará para depois da Copa do Mundo, uma vez que quando a FIGC decidir o que acontecerá na próxima Série A, todas as atenções estarão na Alemanha. Lamentavelmente, não espere muito. O campeonato 2005/2006 é uma página a ser esquecida o quanto antes.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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