Zoro x Inter

Esta coluna concorda que episódios racistas no futebol europeu não são novidade. Afinal, a mãe dos imbecis está sempre grávida. Seres bípedes semi-pensantes que freqüentam os estádios estão sempre prontos a usar a sua ínfima capacidade de raciocínio para inventar coros racistas. E assim foi novamente na partida do Messina contra a Inter, no último domingo.

O que ocorreu de diferente desta vez é que o agredido, o defensor marfinense Marco André Zoro Kpolo, se cansou e resolveu dar um basta à situação. Pegou a bola, colocou embaixo do braço e se começou a se dirigir para a entrada do vestiário dizendo que não jogaria mais e que a partida deveria ser encerrada.

O jogador, em lágrimas, dizia que não aceitava ser vítima desse tipo de agressão e que exigia respeito. Zoro foi demovido da idéia de melar a partida por Adriano e Martins, interistas que certamente já ouviram imbecilidades em outras ocasiões. Os dois agiram de boa fé, mas o correto seria mesmo ter encerrado o jogo. O árbitro Matteo Trefoloni não teve sensibilidade ou coragem para dar razão a Zoro, mas deveria.

Claro que o episódio arremessou um balde de vergonha em cima do clube de Milão. O presidente “oficial” do clube, Giacinto Faccheti, pediu desculpas a Zoro em nome da Inter. O presidente ‘de fato’, Massimo Moratti, elogiou a atitude de Zoro e disse – com razão – que o problema vai muito além da torcida organizada. Outras personalidades como o treinador do Milan, Carlo Ancelotti, e o técnico da ‘Azzurra’, Marcello Lippi, também condenaram veementemente o vexame.

O grave para a Inter, além do dano de imagem, é que o clube pode perder a partida no tapetão – pelo menos de acordo com a lei, Em episódios do tipo, a legislação prevê um 3 a 0 para o adversário do time cuja torcida ainda vive na era paleozóica e mais sanções relacionadas a suspensão do campo e multas. Não que a Inter fosse mudar muito sua situação se perdesse os três pontos, mas certamente seria um bom murro na boca.

Simbolicamente a federação italiana já decidiu se movimentar determinando um atraso de cinco minutos antes de todas as partidas da Copa Itália na quarta e do campeonato no final de semana. Os jogadores entrarão em campo com faixas, etc. Tudo muito bonito, mas de resultado prático quase nulo.

O ponto aqui é saber até onde os clubes querem mesmo combater o racismo, ou o doping. Se a Inter fosse penalizada com a perda de, digamos, quinze pontos, mais uma multa de seis ou sete dígitos, haveria muito mais dificuldade para um torcedor idiota celebrar sua ignorância. Da mesma maneira, com os casos de doping, o problema só vai se encerrar quando o clube do atleta dopado for punido de modo draconiano.

Enquanto isso, continua-se a assistir espetáculos lamentáveis como esses, onde pretensamente muita gente se diz indignada, mas pouca se dispõe a tomar uma atitude para resolver. Como o próprio Zoro disse à RAI, “a escravidão deveria estar sepultada há tempos”. Não está.

E Zamparini não toma tenência…

“Mas quem é Zamparini?”, perguntará o internauta mais desavisado? Maurizio Zamparini é o presidente do Palermo. É um dirigente daqueles à moda antiga, mas no mau sentido. Personalista e falastrão, Zamparini adora torrificar seus treinadores na mídia para demonstrar que o clube jaz sob seu comando. Faz isso há tempos. Na temporada passada, mesmo com a classificação para a Copa UEFA, demitiu o técnico Francesco Guidolin depois de meter o pau no mesmo durante praticamente todo o ano.

Sedento pelos holofotes, Zamparini já começou a calcinar seu técnico, o competente Luigi Del Néri, arquiteto do ‘milagre’ Chievo de alguns anos atrás. Zamparini mandou a lapidar frase: “Não, Del Néri não está correndo risco, mas se perder para Fiorentina e Roma, nunca se sabe”. Brilhante! Uma pérola de contradição para entrar na antologia.

Uma olhadela na classificação encontra o Palermo numa 11ª colocação, quede fato não é empolgante. Contudo, vale a pena lembrar que o time lidera seu grupo na Copa UEFA e se sabe que a Europa cobra um preço caro de times de menor porte. Basta ver que os ‘pequenos’ pela Europa que chegam à Europa sofrem em seus torneios domésticos.

O elenco do Palermo é, provavelmente, o melhor elenco ‘italiano’ do ‘calcio’. No elenco profissional, há somente cinco estrangeiros. E alguns dos melhores jovens talentos do país, como Accardi, Barzagli, Caracciolo e Pepe estão no estádio Renzo Barbera. Mas não dá para negar que perder um jogador como Luca Toni certamente tem seu peso.

Zamparini enterrou o Venezia em sua passagem pelo clube e foi a Palermo em busca de um clube que tivesse uma torcida grande o suficiente para satisfazer suas necessidades mediáticas. Estaria ele encaminhando o ‘gigante adormecido’ da Sicília para um destino igualmente enlodaçado?

Mas nem só de presepadas vive o Calcio

Deixando para lá torcedores com QI de bactéria em coma e dirigentes que não recusariam um lugar no Big Brother, o futebol italiano – graças a Deus – teve jogos e situações bastante interessantes, confirmando algumas previsões e levantando novas possibilidades.

No capítulo ‘confirmações’, a Juventus, mais uma vez (desculpe, leitor, de ser tão repetitivo, mas é obrigação reportar…), demonstrou a solidez de sua própria liga. Tudo bem que era um adversário fraco – o Treviso – mas foi impressionante a maneira como a Juve despertou de seu sono para liquidar o jogo. A movimentação de Ibrahimovic – um centroavante – para dar o passe para o primeiro gol foi um exemplo claro de como o time de Capello vai muito além de depender de proezas individuais.

Também reforçaram a impressão de potencial a Roma e a Fiorentina. O empate em 1 a 1 pode soar meio monótono, mas o jogo no Olímpico foi bem interessante. A começar pelo gol de Tommasi, o volante romanista cuja carreira foi dada como encerrada depois de uma seríssima lesão. Os dois times jogaram para vencer e têm potencial para crescimento, embora ainda não para aspirar ao título.

Assim como Tommasi, também Filippo Inzaghi faz parte dos que voltam de sérias contusões com gol. Pippo entrou no finalzinho para marcar um gol nos descontos que valeu a vitória contra um Lecce em crescimento. No outro fronte milanês, além do vexame com Zoro, a Inter segue com um time cheio de excelentes individualidades. O primeiro gol foi uma pintura no cruzamento de Stankovic para a conclusão de Recoba.
– Depois da aposentadoria de ‘Butcher’ Montero do futebol italiano, o jogador com maior número de expulsões na Série A é Sinisa Mihajlovic, com 10 cartões vermelhos.

– Montero colecionou 16 expulsões em sua carreira italiana na Série A.

– Mas não se assuste ao descobrir que Francesco Totti – que não tem nem 30 anos – já conta com 8!

– Totti não deve chegar em Montero, mas pode conquistar um lugar de destaque nesta lista nada honrosa.

– E esta é a seleção Trivela da 13ª rodada:

– Peruzzi (Lazio); Córdoba (Inter), Cannavaro (Juventus) e Kuffour (Roma); Brocchi (Fiorentina), Almirón (Empoli), Liverani (Lazio), Pirlo (Milan) ; Ibrahimovic (Juventus), Barreto (Cagliari) e Inzaghi (Milan).

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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