“Scudetto” sem surpresas

A chuva que caiu neste domingo em San Siro fez o técnico Carlo Ancelotti ter recordações. Lembrou-se do dia 14 de maio de 2000. Naquele dia, um temporal fez com que, num campo quase submerso, a sua Juventus desse, de bandeja, o “scudetto” para a Lazio, com uma derrota por 1 a 0, gol de Calori, para o Perugia.

Neste domingo, 2 de maio, Ancelotti finalmente exorcizou aquela imagem. Quando viu a chuva caindo, a derrota de quatro anos antes estava se desmanchando. O seu Milan deste ano é estelar, de recordes. E sua certeza era sempre maior quando via em campo, o jogador que desequilibrou o torneio, o brasileiro Kaká, que menos de um ano atrás, era xingado pela torcida do São Paulo.

Carlo Ancelotti é o grande responsável pela conquista do título italiano, e por uma razão simples: conseguiu fazer coexistirem, na mesma equipe, o maior número de jogadores de talento. Feito que nem o Real Madrid, nem o Chelsea, nem o Manchester United conseguiram (pelo menos, não até agora). Somente o Real Madrid, entre os titãs da Europa, joga somente com um jogador de contenção (na verdade, não joga com nenhum, pois a função é desempenhada por Beckham e Guti). O Milan joga com Gattuso. E dá tanto espetáculo quanto o Real, com a vantagem de vencer.

Kaká desequilibrou o torneio, porque a corrida entre Milan, Inter, Juve e Roma era parelha. A Inter se auto-mutilou quando sacrificou Hector Cúper. A Juventus também se minou, deixando Davids ir embora e não reforçando a defesa no mercado de janeiro.

A Roma andou esta temporada além de seus próprios limites, graças a um Francesco Totti inumano, e surpreendentemente, manteve o passo do Milan, fazendo, até aqui, 25 pontos a mais do que na 32a rodada do último campeonato. O equilíbrio entre a Roma que se superava e o Milan campeão europeu foi rompido pelo brasileiro. Kaká foi o empuxo extra que nem o espetacular Totti suportou.

O título do Milan, recheado de recordes, é mais do que merecido, Como escreveu Candido Cannavó na Gazzetta Dello Sport de segunda-feira, tentar manchá-lo com o pênalti claro não marcado a favor da Roma, é um desserviço ao futebol. Após a 34a e última rodada, como em todos os anos, TRIVELA trará ao internauta o raio-x de um título indiscutível: quais os jogadores decisivos, quais as revelações, comportamento tático, pontos altos e baixos, seleção do campeonato e todo o necessário para que o internauta tire suas próprias conclusões.

A mãe dos imbecis está sempre grávida

Há um ditado italiano que diz: “La madre degli imbecili è sempre incinta”, cuja tradução é o título deste excerto. É um produto de grande sabedoria popular, dada a quantia de idiotas que assolam o mundo, especialmente nos tempos de hoje, que Nelson Rodrigues (também sabiamente) chamava de “a era dos idiotas”.

Cinco destes imbecis estavam na torcida da Roma que foi à Milão dar apoio ao seu time. Estes não eram imbecis ‘standard’, provavelmente deviam ser imbecis “turbo”, “Classe A”, ou algo assim. Assim, durante o segundo tempo, os marginais (claro, de uma torcida organizada), jogaram bombas na direção dos jogadores do Milan. Uma delas acertou Gattuso, que despencou, mas quando levantou, ergueu o punho, como se dissesse “venci!”; outras duas acertaram Dida, que também foi alvejado por uma pilha de rádio.

O Milan tinha todo o direito de comemorar seu título, talvez o mais incontestável de sua história, com79 pontos (só para comparação, vale dizer que as duas últimas temporadas foram conquistadas, pela Juventus, com 72 e 71 pontos, e o Milan ainda tem seis pontos para disputar). Contudo, parte da alegria da comemoração ficou obscurecida pelo incidente.

Os imbecis que envergonharam os romanistas já tinham conseguido interromper o derby entre Lazio e Roma, semanas atrás, e por causa disso, a Roma foi punida com a perda de mando de campo em três jogos. Deve sofrer novas sanções. Lá, como aqui, existem seres bípedes, semipensantes, travestidos de torcedores. Eles vão ao estádio para jogar bombas e brigar. E são tão covardes que cobrem o rosto. Jogá-los numa masmorra gélida e cheia de musgo para todo o sempre não faria com que a humanidade perdesse rigorosamente nada, além de dores de cabeça.

Liga dos Campeões ou a cabeça de alguém

Depois da 31a rodada, a briga pela vaga na Liga dos Campeões estava feia. Porém, havia uma vantagem milimétrica da Inter, que tinha um ponto a mais do que Lazio e Parma, ainda que com um calendário mais difícil, porque teria de ir a Lecce pegar o time local, enquanto Lazio e Parma tinham tarefas menos duras.

A Inter fez o que melhor sabe fazer: se sabotou. Conseguiu sair na frente, mas cedeu a virada ao Lecce, que está salvo do rebaixamento. Enquanto isso, um Parma exemplar extraiu seus três pontos do rebaixado Ancona, e a Lazio, perdeu dois pontos num empate contra a Reggina (que também não era uma tarefa simples).

Nesta 33a rodada, Parma e Inter se enfrentam em Milão, com boas chances de decidirem a vaga. Se o Parma vencer, enterra a Inter de vez (abre cinco pontos), mas ainda recebe um adversário hostil, a Udinese, no Ennio Tardini, na derradeira jornada de 16 de maio. A Lazio viaja a Brescia, e depois recebe o Modena, ou seja, tem o calendário menos infernal, mas depende de um tropeço alheio.

Se a Inter vencer o duelo com o Parma, volta a ter a faca e o queijo na mão, desde que a Lazio não vença em Brescia. O último jogo da Inter é em Empoli, time que está criando dificuldades para todos os seus adversários. Inter x Parma do próximo final de semana é uma decisão em potencial, assim como Milan x Roma o foi.

Conseqüências: Se a vaga ficar com o Parma, Prandelli vai para a Juventus (com quem já tem acerto – leia abaixo), com ainda mais moral que já tem, Zaccheroni perde o emprego na Inter, muito provavelmente cedendo espaço para Roberto Mancini. Caso a vaga seja da Inter, Zaccheroni deve continuar no clube (nunca se sabe como as coisas vão rolar em Appiano Gentile), e Roberto Mancini estudará se fica ou não na Lazio. Caso a Lazio vá para a LC, ‘Zac’ toma cartão vermelho, e a Inter deve ir buscar algum maluco para seu lugar.

Revolução Juve: o nome é o de Prandelli

Na semana passada, finalmente foi anunciado o que todos esperavam. Marcello Lippi disse que não será mais treinador da Juventus depois do fim desta temporada. Lippi disse que tem propostas, mas que quer descansar. Tradução: primeiro ele quer ver se Trapattoni não vence a Euro-2004.

Se o “Trap” não for campeão, Lippi vai para a “Nazionale” com seis anos de atraso. Deveria ter ido depois da Copa de 1998, mas não foi liberado pela Juventus. Se Trapattoni conquistar o título, então não se sabe o que vai acontecer.

O que é certo é que o homem sentado no banco da Juve no ano que vem será Cesare Prandelli, ex-atleta da Juventus, e que, apesar de ter seu elenco retalhado pela crise da Parmalat, está quase dando uma vaga na Liga dos Campeões que pode ser decisiva para o futuro do clube, tal o aporte econômico que uma vaga na competição dá muito dinheiro para o clube.

Prandelli deve levar consigo para a Juventus o atacante Gilardino, e talvez, um defensor (entre Bonera e Ferrari). A Juve, por causa do ajuste financeiro da Fiat (e da família Agnelli), pretende abolir as grandes contratações. Além disso, vale lembrar que, como aconteceu nos casos de Roma e Lazio, o terceiro ano após a entrada na Bolsa de Valores, é provável que os cofres do clube sofram um refluxo, ou seja, menos grana.

Quem tem boas chances de assumir o Parma é Luigi Del Neri, do Chievo. Del Neri já tinha sido sondado quando o Parma estava “rico”. Outra possível aposta é Serse Cosmi, que deixará o Perugia. Cosmi deixa de ser uma opção se Capello for embora da Roma, que seria a sua preferência.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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