O intocável chefão

Numa entrevista da revista Piauí com o supremo da CBF, Ricardo Teixeira, creio eu, tenhamos tido o retrato mais límpido e indubitável da intocabilidade de Ricardo Teixeira. Ninguém tem dúvida de qual o grau de decência com o qual ele controla o futebol brasileiro acorrentado, segundo suas conveniências, mas em nenhum outro momento que eu me lembre ele tinha deixado tão claro o descaso dele com o que pensa a sociedade.

Sendo sincero, não faltam a ele motivos para isso. A sociedade não se mobiliza porque acredita que a vida de todos não importa. Não faltam exemplos. Temos um estado da federação que é praticamente de um senador, tal a escala do esbulho que o mesmo fez durante suas décadas de vida pública; temos prefeitos que chamam bombeiros de “vândalos” quando esses exigem aumentos para que seus salários cheguem a R$1 mil; temos bandidos eleitos que decidem fazer linhas inúteis de trem custando cinco vezes mais que o necessário; temos a maior cidade do país construindo um estádio de R$1 bilhão sendo inteiramente pago pelo erário – isso, num bairro cuja população tem uma média de 7 anos de educação (85º lugar dentro da própria cidade, onde o nível médio de educação já é risível). E ninguém faz nada. Se alguém se levanta para propor que se faça algo, todo mundo acha que “dá muito trabalho”. Quão atual é o Macunaíma de Mario de Andrade.

Mesmo assim – mesmo num país que não reage, numa sociedade que não se respeita, num governo que festeja o crescimento da economia para poder roubar mais – eu acho que as autoridades honestas do país (estou supondo que há algumas) deveriam trazer Teixeira às raias da legalidade e fazer com que ele não se sinta acima do bem e do mal. Na entrevista, o que o capo diz, basicamente, é que enquanto ele tiver a Globo ao seu lado, nada pode acontecer. E ele, de uma maneira ou de outra, já desenhou o roteiro para seus próximos três anos, onde vai ignorar toda e qualquer lei, fazer o que bem entender e depois, sair de cena (provavelmente num país com que o Brasil não tenha acordo de extradição).  Assim, o Brasil se prepara para o maior assalto já feito aos cofres públicos, com um de seus mentores tendo, publicamente, sugerido isso em entrevista. Não sei se dá para ficar pior. Ou melhor – dá. Sempre dá.

Minha questão é: não há nenhum juiz, promotor, empresário disposto a fazer alguma coisa? Políticos certamente não, porque se políticos já são como são em todo o mundo, imaginem numa sociedade como a nossa, que é permissiva em relação à corrupção. Hoje, na Inglaterra, um dos meios de comunicação mais importantes do país está sendo fechado em função da reação violenta da sociedade à maneira torpe com a qual ele se comportou. Além da sociedade, políticos e autoridades assumiram suas responsabilidades e estão trazendo um ícone da mídia abaixo.  Na Inglaterra não há menos vagabundos, pilantras e ladrões do que aqui. A diferença básica é que a sociedade lá pressiona para que eles acabem na cadeia. Aqui, não.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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