O incrível caso da Internazionale

Há pouco mais de um ano, quando José Mourinho anunciou sua saída da Internazionale ao clube no dia seguinte à conquista da Liga dos Campeões no Santiago Bernabéu, o lugar que ele deixou passou a ser visto como um hotseat, ou em outras palavras, uma cadeira elétrica. Mourinho vencera com um grupo indo muito além de suas possibilidades e emular seus feitos era quase impossível. Um ano e dois técnicos depois, o banco de reservas da Inter parece ter ficado ainda mais ameaçador. Pelo menos quatro técnicos já recusaram treinar a vice-campeã italiana. Mas qual a razão?

Nos últimos três meses da temporada, a permanência de Leonardo estava aparentemente ligada aos seus resultados. Os mais ensandecidos apostavam num repeteco do ano anterior; os lúcidos otimistas, num scudetto com o Milan em segundo lugar. Os lúcidos taciturnos, numa Copa Itália enxovalhada; os catastrofistas, numa exclusão até da LC. Entre otimistas e taciturnos, venceu a lucidez, até porque apesar de Leonardo, a Inter tinha o melhor elenco da Itália e se não podia vencer um Milan melhor organizado, podia espancar outros adversários, especialmente em San Siro.

Contudo, o sucesso insosso da Copa Itália descontentou a ala lúcida (taciturna e otimista) porque foi o suficiente para manter Leonardo, que claramente não tinha a confiança nem do elenco nem da diretoria. Sua permanência estava muito mais ligada ao cavalheirismo morattiano, que tinha levado Leo a embarcar na vilificação de sua figura em Milão, mas que depois da bucha no derby do returno, viu que o brasileiro segue a melhor linha brasileira de técnicos, a do esquema vamos-que-vamos.

Não se sabe se Leonardo quis fazer um agrado à traída ex-amante torcida milanista, mas o fato é que sua puxada de tapete na Inter arrumou um belo problema para Moratti. Temporada encerrada, os melhores técnicos do mundo já estavam alocados. Mourinho e Guardiola já tinham recusado uma oferta de trabalhar em Appiano Gentile antes das férias. Sem Leo, Moratti convidou Marcelo Bielsa, que surpreendentemente, recusou. Tentou (e sim, tentou) Carlo Ancelotti, que nada surpreendentemente, fez Moratti saber que recusaria, assim como André Villas-Boas, que era um cotado para substituir Leonardo ainda durante o campeonato. E a Inter se vêm quase em julho sem treinador e atrasando sua campanha de reforços. E com uma lista de candidatos que varia entre o pouco empolgante e o constrangedor.

Dos atuais nomes, o mais empolgante é o de Guus Hiddink. Experiente, o holandês teria a vantagem de trabalhar com Sneijder e de ter cancha de sobra. Não é o nome do momento em termos de glamour, mas perto das outras alternativas interistas, é um Rinus Michels. Luciano Spaletti também tem as prerrogativas para um bom trabalho, mas viria como “estepe”, já que foi considerado anteriormente e preterido pelo clube. Que importância tem isso? Jogadores tendem não respeitar e trabalhar contra técnicos que chegam sem força e Spaletti certamente se sentiria como segunda escolha. Qualquer dúvida, favor escrever para @didierdrogba e @felipaoscolari e perguntar como isso funciona.

Os nomes a seguir não estão à altura da Inter. Gian Piero Gasperini fez um excelente trabalho no Genoa, mas na Inter, seria visto, como Spaletti, como um profissional que estava tendo a chance de sua vida. Delio Rossi é um técnico bastante mediano e Sinisa Mihajlovic é um pesadelo para quem teve Mourinho há pouco mais de um ano. Apesar de ter sofrido coma lesão de Jovetic, sua Fiorentina não jogou metade do que podia, combinando futebol medíocre e sem resultados.

O que cabe avaliar é: por que razão a Inter está sendo recusada assim sistematicamente? Guardiola e Mourinho estão em condição de dizer “não” a um time num campeonato de segunda linha, mas o que dizer de Bielsa? Mesmo André Villas Boas parece ter sido alertado de algo para recusar a Inter ainda em maio. É impossível saber exatamente o que está acontecendo, mas imaginar que um time do porte e elenco da Inter sendo recusada sistematicamente não sugere algo lógico. Tudo indica para um desfecho tendo Hiddink como favorito (seu agente admitiu que ele aceita propostas), Mihajlovic e Spaletti, mas sinceramente esse não é o desfecho que Moratti queria dar para seu ano. Pior: as negociações de contratações estão rolando e em julho, os melhores negócios já foram (basta ver que Sanchez estava muitíssimo cotado para ir à Inter e hoje parece quase em Barcelona).

Sem uma previsão catastrofista nem adivinhocracia, o que parece mais lógico é que seja uma situação combinando “timing” ruim e incerteza. Se Leonardo tivesse saído há um mês, a Inter teria um técnico há três semanas, mas agora, é provável que os convidados para o cargo estejam se perguntando por que tantos recusaram a vaga. Há uma falta de habilidade clara de Moratti e da diretoria da Inter em não trabalhar nos bastidores, mas isso não causaria as recusas. O fato é que a má ideia da contratação de Leonardo como um tapa na cara do Milan em janeiro ainda está causando coceiras em azul e preto. A cada dia que passa, a situação ficará mais incômoda. Moratti precisa de pulso – e rápido.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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