(Ir)Responsabilidade pública

Caros colegas da imprensa que aplaudiram incondicionalmente a vinda da Olimpíada com fogos de artifício; notáveis leitores que chamam de ‘urubus’ os céticos e contrários à realização de Copa e Olimpíada no Brasil, presidentes de associações de empreiteiros, hoteis, turismo e outros interessados, políticos populistas, demagogos, ladrões, vigaristas e congêneres. Quero escrever para parabenizá-los pela irresponsabilidade, burrice, ingenuidade, vigarice e/ou todos estes combinados no incidente do Hotel Intercontinental. É este o Rio de Janeiro e o Brasil que vocês clamam estar preparados para megaeventos internacionais. Não se enganem: suas mãos estão sujas de sangue e a responsabilidade é sim, também de vocês.

É este o Rio de Janeiro que governo e empresários apresentam como seguros para a realização de uma Copa e uma Olimpíada. É este o Rio de Janeiro que o presidente Lula afirma que não terá nenhuma favela em 2016 (só na Rocinha, há cerca de 350 mil pessoas, presidente) É este o Rio de Janeiro que os odontologistas reunidos num congresso que estavam no hotel atacado pelo crime acreditaram ser seguro graças a propaganda de meia dúzia de vagabundos, cujo discurso foi encampado pela mídia. E leia-se: as culpas e mazelas do Rio de Janeiro são extensivas a todo o Brasil e o fracasso eventual do Rio na organização Olímpica também será de todos – é bom explicar antes que as bestas bairristas levantem-se de suas tumbas e comecem a ofender esta ou aquela parte do Brasil com um discurso enterrado no paleozóico

A declaração do presidente da associação dos hoteis é um acinte, uma vergonha. Chamar de “fatalidade” o que aconteceu é para encher de raiva. Para quem jamais teve a sorte (e falo isso sem ironia, porque o Rio de Janeiro “legal” é um dos lugares mais gostosos do mundo) de ir ao Rio, a São Conrado e ao hotel Intercontinental, talvez o acontecido soe ainda mais absurdo do que se imagina. São Conrado é um bairro com três saídas básicas: a Av. Niemeyer e os túneis que ligam o bairro à Gávea e à Barra da Tijuca. Entre o Intercontinental e a maior favela da América Latina, a Rocinha, há uma avenida. A tragédia só não era anunciada a quem não queria ver por cegueira ou interesse.Ou, claro, burrice.

Entre ser contra o progresso e ser irresponsável vai um grande espaço. Os eventos Copa e Olimpíada seriam sensacionais de 1) não fossem rifados á proposta que mais agradasse aos dirigentes do esporte mundial em termos individuais e 2) o país já tivesse uma estrutura olímpica e esportiva que atingisse a população. O Rio terá de fazer toda a infra para a Olimpíada e tem um engajamento esportivo patético no que se refere à população, que não pratica esporte na escola, não tem centros de formação e ainda tem de se deparar com o disparate de um incidente que só países em guerra civil enfrenta.

Por outro lado (e mostrando que a escolha da Olimpíada é tão sensata e imparcial quanto um tribunal de justiça numa ditadura), Madri, que perdeu para o Rio a organização de 2016, tem 80% do aparato JÁ montado e um esporte que está bombando em todas as áreas: tênis, automobilismo, handebol, ciclismo, esqui, basquete e tantos outros. Nós temos o futebol campeão do mun…Ah, não. Não temos mais. Pois é. Vamos emprestar dinheiro do governo, fazer estádios megalômanos em Manaus e Cuiabá que tudo isso muda. Como diz o Lédio Carmona no Twittter, #toscos…

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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