Meu primo e a Seleção

Um primo meu, apesar de brasileiro, não se cansa de reclamar do Brasil. Xinga o presidente (este e os passados), a corrupção dos políticos,a falta de educação do povo, o “jeitinho” brasileiro e tudo mais que possa se identificar com o país. De forma inconsciente, ele só respeita e venera uma única instituição brasileira: a Seleção.

Assim como ele, para a maioria esmagadora dos brasileiros, a Seleção é o único ícone e símbolo do Brasil como nação. Nosso hino, bandeira, parlamento, constituição e variantes são todos outorgados e não provocam emoção nem no ser mais sensível e afrescalhado que possa existir. Quando a Seleção entra em campo, é o oposto. Todo mundo se sente brasileiro, se sente parte da mesma coisa. Inclusive meu primo.

Pois é essa instituição, a Seleção, responsável pela convergência de identidade da maior parte do país, que teve seu condutor escolhido com a maior leviandade possível. Mano Menezes chegou ao cargo mais importante do Brasil (depois da presidência da República) graças a uma complexa rede de conexões, intrigas, favores e politicagens. É para esse cara que o meu primo e mais tantos outros estarão torcendo em 2014, num evento que será um dos mais importantes para a formação da identidade nacional na história do país.

Não digo que Mano Menezes vá fracassar – acho que ele tem um potencial de melhora considerável – mas certamente não tem pedigree para ser treinador do time mais famoso do mundo. Com uma Copa do Brasil, três Gaúchos e um Paulista no currículo, Mano lembra muito Felipão no trato com a mídia. Ponto. Seus times carecem de um sem número de fraquezas que ele não conseguiu superar no Corinthians, nem no Grêmio nem em nenhum lugar. É verdade que ele pode evoluir, mas certamente a Seleção não é lugar de testes ou laboratórios.

Pouca gente se dá conta da importância que terá a Copa de 2014. O episódio da derrota de 1950 é uma ferida aberta na psique brasileira e mesmo quem não a viveu tem em si arquétipos do evento. O encarregado de comandar o Brasil em um torneio do gênero teria de ser um herói mítico, como o Didi que Nelson Rodrigues descrevia, o rei etíope. Ricardo Teixeira, um rei-sol que só poderia surgir numa sociedade oligárquica doente como a brasileira, não tem bagagem cultural nem intelectual para entender a importância da tarefa – e muito menos consideração pela nação. Por isso, alijado de sua primeira opção (fato pelo qual Muricy jamais será perdoado), indicou alguém de sua corte. Nossa Ilíada de 2014 começou mal. Pode terminar bem? Pode. Mas as de Parreira e Dunga também podiam.

E como fica o único símbolo que genuinamente incute a identidade brasileira no povo e no meu primo? Adivinhe…

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
Top