Um fracasso italiano com quatro anos de atraso

Times que jogam mal são desclassificados e não deixam saudades. A máxima não vale para a Itália, que normalmente é mais perigosa quando chega ao Mundial morrendo do que quando chega em grande fase. No caso da Itália campeã mundial por mais 17 dias, a contramáxima não funcionou e o time deu adeus à Copa externando todas as suas limitações e reentregando ao país o caos que deveria ter se abatido após 2006, em decorrência de Calciopoli.

Tecnicamente, as análises são simples de se fazer e visíveis mesmo para os comentaristas brasileiros, que dão um espetáculo de desconhecimento no Mundial. A Itália chegou à Copa com um time envelhecido, sem garra e com todos os pilares da conquista de 2006 baleados: Cannavaro, Buffon, Pirlo e Gattuso. Sem renovação tática nem técnica e com um grupo baseado mais na amizade do que em qualquer outra coisa, Marcello Lippi terá agora diante de si uma justiça considerável ao ser lançado às chamas depois de tirar proveito da queda de Donadoni após a Eurocopa.

Lippi tinha material para fazer um time melhor, mas não com fazendo com a seleção um centro de reconhecimento a serviços prestados. Dos medalhões de 2006, só Pirlo, Buffon, Chiellini e De Rossi poderiam figurar numa seleção hoje. Os dois primeiros estão liquidados fisicamente e o último deu a enésima mostra de que entrega os pontos sob pressão, uma questão a trabalhar se ele pretende se consolidar como um jogador “top”. Chiellini npagou o naufrágio geral, mas segue a referência defensiva.

A seqüência de enganos matou Lippi. Apostar em Gilardino, notoriamente um jogador fraco para decidir, foi igualmente letal a dar a batuta do meio-campo a De Rossi. Os vários “estreantes” Pepe, Criscito, Montolivo, Bonucci – só para citar jogadores que eu realmente gosto – ainda não têm estofo para entrar nas sapatas dos campeões mundiais. A Cesare Prandelli, próximo treinador da Itália, aguarda uma tarefa dura, mas ao menos ele terá a vantagem de poder fazer “terra arrasada”, dados os resultados catástroficos de 2010.

No âmbito geral, o fracasso retumbante da Copa deve entregar à Itália o choque de realidade que o país deveria ter tido em 2006, quando o sistema futebol foi constatado podre até as fundações por conta de Calciopoli. O sucesso “Azzurro” fez com que tudo ganhasse panos quentes e enquanto a Inter abriu sua série de sucessos sem adversários, os outros clubes maquiaram sua ferrugem financeiro-administrativa com a pele de “campeões do mundo”, tudo sendo acobertado pelos méritos de uma seleção talentosa e focada, que refletia a Itália “aparente” pré-Calciopoli e não a amarga realidade. Por baixo do tapete, a necrose campeava e devorava o que houvesse de saudável. Essa ressaca deve vir à tona agora e eu esperaria mudanças mais severas no futebol italiano para os próximos anos.

O fracasso da Itália reflete o que o país é hoje no futebol. Um grande caos, contaminado por um substrato mafioso de troca de favores no qual os poderosos se retroalimentam das fraquezas dos similares. Não há meritocracia, não há competição, não há chances para quem quer fugir do esquema. Uma seleção com sete jogadores de um clube que acabou em sétimo na liga diz tudo. Se o país não colocou na cadeia o homem sabidamente responsável por encabeçar Calciopoli (nem seus cupinchas que ainda estão no poder, punidos ou não), o que se há de esperar?

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.
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