Discussões sobre a Itália e sua grandeza.

Ontem, assistindo a Sportv, uma mensagem de um telespectador que tentava argumentar que a Itália não era uma seleção grande me chamou a atenção. Como sempre acontece, após uma derrota da Itália, vêm asnos, desinformados e polemistas (ou, como normalmente, uma combinação dos três) desvalorizar o futebol da Itália como um todo. Falta de cultura é sempre lamentável e normalmente irritante.

Um fato que os brasileiros de um modo geral não compreendem é que a vocação ofensiva quase neurótica que temos aqui não é um sinal de superioridade. É um reflexo da nossa cultura e da formação do nosso futebol. Não é melhor nem pior. Somos nós. É exatamente pela mesma razão que outros povos têm compoirtamentos diferentes na vida, comem comidas que não nos apetecem e vêem beleza em formas que não nos agradam. Aquilo que chamamos “futebol ofensivo” não é a regra de correção do esporte. É a nossa índole. Exigimos um futebol agressivo porque é a maneira como pensamos ele. Da mesma maneira, os alemães têm o seu modo de ver o esporte, assim como holandeses, italianos e africanos.

O telespectador que argumentou que a Itália não é uma seleção grande não tem obrigação de deixar de falar asneiras. Ele é um telespectador. Não vive disso. Não precisa se informar e refletir. Pode ser irracional o quanto quiser. Exatamente o oposto é a obrigação do jornalista que não pode fazer suas afirmações em cima do que seu coração sente regado a uns copos de cerveja. Nesse caso – e não faltam colegas de profissão que sempre que a Itália vence vêm argumentar que a Itália é um lixo – trata-se de incompetência, que às vezes é cravejada de oportunismo baixo.

A seleção italiana que perdeu ontem não é um retrato da história do futebol, assim como o campeonato de hoje na Itália não é a síntese da Série A. O ‘calcio’ vive uma crise sistêmica, pela qual já passaram outras praças. A seleção alemã de 1998 era uma piada; a Argentina de 2002, idem, assim como o Brasil de Lazaroni era de fato um time ruim. Na Itália hoje, os clubes grandes do país vivem uma crise moral, financeira e administrativa e isso enterrou o sistema. A Internazionale é a exceção porque se aproveitou da crise para encerrar um jejum de títulos que premiava a sua incompetência em duas décadas, mas todo o sistema “calcio” entrou em crise endêmica, porque se não há Milan e Juventus injetando dinheiro (comprando jogadores dos clubes menores), ninguém anda. Hoje, na Itália, quem contrata são os clubes bancados por ‘capos’: Internazionale, Napoli, Fiorentina, Genoa, Palermo.O ‘capo’ mor, Silvio Berlusconi, não investe mais porque suas empresas vivem um momento delicado por causa de um processo com uma maximulta de q uase um bilhão de euros. E a Juventus ainda sofre as seqüelas do câncer que foi a Era Moggi.

A seleção italiana de 2006 era um time fortíssimo taticamente e tecnicamente muito competente, mas os brasileiros não conseguirão JAMAIS entender isso, assim como são raros hoje os que conseguem compreender (não aceitar) que o time de 1982 era tão épico como o Brasil de Telê, mas à sua maneira, com tempero, psique, ethos e olhar italianos. O Brasil de Telê foi o time mais belo que vi jogar, mas eu compreendo que a Itália era genial à sua maneira. Mesmo a Gazzetta Dello Sport, explodindo de felicidade após a conquista, no dia seguinte a eliminar o Brasil, estampou: Perdonaci Brasile. Perdoe-nos, Brasil. Uma lição de humildade na vitória. Nos bateram, mas reconheciam o brilho efusivo do timaço de nove craques, Serginho e Valdir Peres.

A bobagem de dizer que a Itália, quatro vezes campeã mundial, não é grande é somente joga luz na ignorância de quem levanta o argumento. Os críticos do futebol italiano não assistiram trinta minutos de cada um dos criticados em campo nem tampouco leram um pouco sobre o assunto. Empolgam-se em copos de cerveja e sentam-se ao computador sem ter noção do que estão falando. A italiana é uma escola futebolística que permite, sem dúvida que não se goste dela, mas tem um valor intrínseco tão genuíno quanto qualquer outra. Para mim, a Copa do Mundo sempre foi exatamente a exaltação desse confronto dos diferentes estilos. Hoje, num mundo cada vez mais ligado, isso diminuiu um pouco, mas ainda dá para vislumbrar isso de vez em quando (tomara que Alemanha e Inglaterra seja assim). Quem não entende isso, perde a maior parte do espetáculo.

Cassiano Gobbet
Cassiano Gobbet é jornalista, formado pela Universidade de São Paulo e mestre em jornalismo digital pela Bournemouth University.

5 Comments

  1. Sobre a Itália: também vi esse programa e um dos argumentos de um dos presentes para a crise azzurra foi a falta de atacantes de qualidade. Segundo a linha de pensamento do cara, a Itália de hoje vive de gente que atua em clubes de segunda linha (Napoli, Udinese) e quem está em um grande, como Iaquinta, é reserva.

    Gostaria muito de perguntar ao cara quando Wolfsburg, Villarreal, Manchester City e Sevilha viraram potências europeias. Acho que perdi algo.

    E creio que no mínimo existe uma certa polêmica nessa afirmação de que o Berlusconi não está mais investindo no Milan. Ainda mais se levarmos em conta o motivo alegado para isso. Parece que o motivo é outro. Mas posso estar enganado. Melhor esperar mais uns dois anos para ver como vai ficar o quadro geral.

    Mas essa é uma longa discussão e já prometi que nesse tipo de conversa não me meto mais.

  2. Por “asnos, desinformados e polemistas” entenda-se 90% dos brasileiros. Ainda incluiria os oportunistas, porque depois da Copa de 2006 ninguém disse isso da Itália.

  3. Analise urgente mas particularmente acho que o mito da ‘Italia ruim por ser defensiva’ é hoje em dia discurso batido e irrelevante. Só alguém ignorante diria ou acreditaria em tal coisa…

  4. A seleção de 82 foi excepcional. Se o Careca ou o Reinaldo jogassem, teriam 10 craques e o goleiro.

    Mas a seleção da Itália era genial. Jogou da maneira que era possível vencer. Muitos se lembram que a camisa do Zico foi rasgada dentro da área, no primeiro tempo. Esquecem que a Itália teve um gol mal anulado, quando a partida terminaria injustamente 4×2. Foi uma das raras vezes que vimos duas equipes jogando demais, mesmo a que saiu derrotada.

    Atacar e defender fazem parte do jogo. Não concordo que exista algo no DNA brasileiro ou Italiano defender ou atacar como algo que pré-determina sua função tática. É construção social. Nem no Brasil, pelo seu tamanho, consegue afirmar que joga 100% para frente, quando assistimos times campeões que primavam pela defesa. Atualmente, temos grandes defensores, que não devem nada ao italiano, assim como eles já fizeram grandes atacantes e armadores, marcantes no futebol mundial, como o Baggio (esse era muito fera, até na sua admiração pelo futebol e sua história).

    Falei demais. Tenho um objetivo, assim como o Robinho em ser o melhor do mundo, de ser o maior corneta do Site, isso se o professor dunga permitir.

  5. Análise perfeita. Quase aplaudi aqui… rsrs.
    É bastante explicável quando os torcedores daqui criticam a filosofia de jogo italiana. Ela é quase diametralmente oposta à nossa. Triste é quando ‘analistas’ esportivos não têm essa visão.
    Uma das melhores coisas de uma Copa do Mundo é o confronto de estilos. Os alemães que gostam de dominar o jogo se impondo no campo adversário, a Holanda e seu belo futebol de troca de passes, a Itália forte na defesa (não esta versão), etc.

    Abs

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